“Só quem nunca ainda leu” o artigo 267 do Tratado de Funcionamento da União Europeia é que fala em recorrer ao Tribunal Europeu
Carles Puigdemont tentou ontem mais uma vez transferir para a escala europeia o conflito catalão, depois de sair em liberdade condicional da prisão de Neumünster, por decisão do tribunal territorial do estado de Schleswig-Holstein (no Norte da Alemanha).
“As autoridades espanholas não têm qualquer desculpa para não iniciar o diálogo. Há anos que temos vindo a pedir diálogo, mas como resposta só obtivemos violência e repressão”, declarou o ex-presidente da Generalitat, ontem à saída daquela prisão.
Falando aos jornalistas, Puigdemont insistiu na ideia de que “existem presos políticos” em Espanha – numa referência a vários líderes independentistas catalães que se encontram nas cadeias espanholas – e exigiu a sua libertação.
“É uma vergonha para a Europa que haja presos políticos”, disse, sublinhando que a luta catalã “pelo direito à autodeterminação não é apenas um assunto interno, mas um tema que diz respeito a todos os cidadãos europeus que se preocupam com os riscos de uma democracia fraca” que, avisou, pode acabar com a Europa.
Após ser libertado de manhã, Puigdemont tinha previsto uma conferência de imprensa para a tarde de ontem, a qual cancelou e transferiu para hoje de manhã em Berlim, capital alemã, segundo a imprensa espanhola, que citou fontes do Junts per Catalunya.
O governo espanhol, através do porta-voz Iñigo Méndez de Vigo, fez saber que respeita a decisão do tribunal de Schleswig-Holstein. “É uma questão entre juízes, não é uma questão entre governos. O governo respeita e acata sempre o que dizem os juízes. É preciso ser prudente e esperar que a justiça decida. Não especulamos. Veremos como tudo acaba”, declarou, em conferência de imprensa a seguir ao Conselho de Ministros. Iñigo Méndez de Vigo fez questão de lembrar que a justiça alemã não considera Carles Puigdemont como um preso político, mas “como um fugitivo à justiça envolvido num processo-crime”.
Carles Puigdemont, ex-presidente da Generalitat, falou aos jornalistas à saída da prisão
O ex-presidente do governo autónomo da Catalunha foi libertado depois de aquele tribunal ter descartado na quinta-feira à noite o delito de rebelião. Depois de pagar uma multa de 75 mil euros, pode assim ficar em liberdade condicional enquanto a justiça alemã analisa a sua eventual extradição para Espanha por crime de peculato.
Puigdemont não poderá abandonar a Alemanha, onde estava preso desde 26 de março. Terá de se apresentar à polícia todas as semanas e comunicar qualquer alteração de residência no país, segundo decretou o tribunal. O ex-líder catalão foi detido em território alemão quando tentava atravessar para a Bélgica, país onde vive desde que fugiu de Espanha, a 29 de outubro de 2017.
Por ter promovido um referendo ilegal sobre a proclamação de uma república independente da Catalunha, a 1 de outubro, o político que depois foi cabeça-de-lista do Junts per Catalunya nas eleições catalãs de 21 de dezembro, é procurado pela justiça espanhola por rebelião, sedição e peculato.Voltou a ser alvo de um mandado de captura europeu, à luz do qual foi preso na Alemanha. Apesar de o tribunal territorial de Schleswig-Holstein ter descartado a acusação por rebelião, Puigdemont ainda pode vir a ser extraditado por peculato.
Perante a decisão de ontem, o juiz do Supremo Tribunal de Espanha Pablo Llarena está a estudar a hipótese de pedir a intervenção do Tribunal Europeu de Justiça da União Europeia, avançavam ontem os jornais espanhóis. A mesma hipótese está a ser avaliada pelo Ministério Público espanhol. Mas um dos advogados de defesa de Puigdemont disse que este tipo de recurso a este tribunal comunitário não é tecnicamente possível. Irónico, Gonzalo Boye afirmou que “só quem nunca ainda leu” o artigo 267 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que regula as competência do tribunal em questões pré-judiciais, é que pode ponderar uma hipótese daquelas.
Face a tudo isto, os media espanhóis dizem que o juiz Llarena tem agora quatro opções: aceitar a extradição de Puigdemont apenas por delito de peculato, retirar o mandado de captura europeu como fez em dezembro, reformular a acusação e aumentar ainda mais os crimes ou aceitar a extradição apenas por peculato e esperar para processá-lo por rebelião. Na primeira hipótese, o ex-líder catalão enfrentaria no máximo 12 anos de prisão, na segunda só seria preso se voltasse a pisar solo espanhol, na terceira veria ampliados os crimes pelos quais é pedida a sua extradição, e na quarta, 45 dias depois de cumprir pena por peculato, poderia ser acusado de rebelião, apesar de não ter sido extraditado pela Alemanha por esse crime.