Encruzilhadas europeias
Está a União Europeia confrontada com uma série de problemas, dos quais parece não saber ainda como desembaraçar-se.
Avulta a questão do brexit. A saída da União foi decidida em referendo pelos súbditos de Sua Majestade Britânica, que assim ainda se intitulam os cidadãos do Reino Unido, mas não faltam sinais de inconformismo e até arrependimento pelos resultados da votação, promovida, numa jogada demagógica de política interna, por um primeiro-ministro acossado pelos extremistas do seu próprio partido.
Os resultados estão já à vista e vão ser mais prejudiciais para os britânicos do que se estimava. Com efeito, as vantagens da presença do país na UE são muito superiores ao contributo para o or- çamento comunitário. Daí que a primeira-ministra May esteja a tentar tudo para manter os benefícios do mercado único, mas isso não está a ser consentido pelos negociadores europeus e com razão.
Por outro lado, não interessa à UE o afastamento do Reino Unido em muitas áreas vitais, a começar pela defesa. A capacidade militar britânica é reconhecida e inclui armas nucleares. O governo de Londres sabe isso e está jogando bem todos os trunfos para o lembrar. A movimentação em curso de expulsão de diplomatas russos, em solidariedade com o apelo da PM May, sinaliza o desejo de proximidade dos países membros da EU com o seu ainda parceiro.
Resta saber se não vai acabar tudo em fiasco, caso se não prove o envolvimento russo no ataque ao ex-espião residente em território inglês. Ocorre lembrar as “provas” da existência de armas de destruição massiva no Iraque, antes da invasão decidida na Cimeira das Lages, as quais convenceram os aliados ad hoc a apoiarem a guerra, “provas “essas mostradas pelos serviços secretos britânicos… E muito mais grave do que isso foi a invasão da Geórgia e a anexação da Crimeia, violando princípios inquestionáveis de direito internacional, daí não se tendo seguido qualquer atitude do mesmo género, prenunciadora do corte de relações diplomáticas, senão mesmo da declaração de guerra.
Enquanto esta questão se prolonga em sucessivas reuniões, sempre qualificadas de decisivas, lá pelo Leste Europeu prosseguem as reformas políticas e legislativas que vão enfraquecendo as instituições democráticas na Hungria e na Polónia, sem que as entidades competentes da União se molestem em tomar as atitudes firmes que se impõem. Orbán e o gémeo Kazinski sobrevivente, acobertando-se sob o inaceitável apoio do Partido Popular Europeu, já se gabam das virtualidades das suas “democracias iliberais”, como se tal expressão não encerrasse uma contradição nos próprios termos.
A crise da Catalunha tem desde o princípio uma dimensão europeia, que agora ficou patente com a prisão na Alemanha e possível extradição para Espanha do antigo presidente da Generalitat. Os dirigentes da UE começaram por fingir que o assunto era apenas espanhol, mas está visto que não é assim. As identidades regionais fortaleceram-se no seio da União, enquanto se preconizava a construção de uma Europa das Regiões, objectivo significativamente esquecido nos tempos mais recentes. Além disso, há fortes pulsões nacionalistas em alguns territórios, desde logo na Catalunha e até também noutras comunidades autónomas espanholas, como o País Basco, sem esquecer a Escócia, a Flandres e não ficaria por aqui uma enumeração completa. Ilegalizar a expressão por meios democráticos de tais correntes de opinião e perseguir e prender os seus líderes é atirar lenha para a fogueira, agravando situações para as quais convém procurar solução através do diálogo.
Entretanto, a Itália está sem governo e até sem rumo aparente, hesitando entre uma esquerda e uma direita, aliás bastante irreconhecíveis. E a Alemanha levou seis meses para obter uma reedição enfraquecida da Grande Coligação, onde avultam elementos conotados com as teses austeritárias e até com posições próximas da xenofobia.
Não obstante, prossegue a tomada do poder nos diversos órgãos da EU de destacadas personalidades de nacionalidade germânica. Os presidentes dos dois maiores grupos políticos do Parlamento europeu são ambos alemães. E, numa manobra de contornos pouco explicados, o presidente da Comissão Europeia acaba de entregar a chefia da enorme e poderosíssima burocracia europeia ao seu chefe de gabinete, não por acaso também um alemão, fazendo dele secretário-geral.
Só falta mesmo que os prognósticos se confirmem quanto ao próximo governador do Banco Central Europeu e que Mário Draghi, o verdadeiro salvador do euro e talvez também da própria EU, venha a ser sucedido pelo actual governador do Banco Central da Alemanha, que várias vezes votou vencido as medidas monetárias mais corajosas. Ora, os patriarcas da integração europeia tinham em mira ancorar firmemente a Alemanha na Europa, uma Alemanha europeia, mas não construir uma Europa alemã.