BARRICADO NO SINDICATO DOS METALÚRGICOS. “NÃO VAI DE CABEÇA BAIXA PARA O MATADOURO”
Brasil. Ex-presidente esperava a polícia rodeado de militantes. “Não vai de cabeça baixa para o matadouro”, resumiu o seu advogado
Advogado do antigo presidente brasileiro explica estratégia do PT, que apostou em ganhar a guerra mediática.
Ex-presidente brasileiro Lula da Silva escolheu a estratégia de confronto com o juiz Sérgio Moro e não se entregou
Lula da Silva decidiu partir para uma estratégia de confronto com Sérgio Moro: em vez de se entregar na superintendência da polícia de Curitiba, como determinara na véspera o juiz da Operação Lava-Jato, o antigo presidente preferiu ficar rodeado de milhares de apoiantes, barricado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São Bernardo do Campo, a mais de 400 quilómetros da cela que lhe foi reservada.
“Ele não vai de cabeça baixa para o matadouro”, disse José Roberto Batocchio, um dos seus advogados, resumindo a estratégia do Partido dos Trabalhadores (PT). Com a guerra jurídica perdida, o PT apostou em ganhar a guerra mediática: como as imagens da sua detenção vão correr mundo e ficar na história do Brasil, seria preferível Lula ser levado, sob palavras de ordem e aplausos de apoiantes, do que entregar-se passivamente.
Ao longo do dia, essa estratégia de combate foi clara, com a defesa de Lula a usar de todos os recursos disponíveis: pediu habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem sucesso, e apelou até ao Comité de Direitos Humanos da ONU. Nas ruas, apesar de haver registo de estradas cortadas nalguns pontos do país, o único incidente mais grave foram pedradas e tinta encarnada atiradas ao prédio onde mora Carmen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em Belo Horizonte.
Lula, que dormiu num sofá do sindicato, das 02.30 às 07.00 e foi visitado pelos filhos, netos e alguns dos irmãos, ainda equacionou falar mas arrependeu-se. Preferiu continuar em maratonas de reuniões com aliados, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff, o provável plano B do Partido dos Trabalhadores (PT) para as eleições, Fernando Haddad, os líderes de movimentos sociais próximos ao partido e os seus assessores jurídicos.
Os outros pré-candidatos à eleição foram reagindo ao longo das últimas horas à detenção. “É o fim da impunidade”, disse Geraldo Alckmin, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira. Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, de esquerda, disse que “não há justiça quando notórios corruptos do PSDB seguem intocáveis”, concluiu. Em Portugal, Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, considerou a democracia brasileira “suficientemente madura” para não confundir o processo judicial com as eleições.
Em Brasília, o Congresso Nacional teve atividade reduzida com a maioria dos deputados, apoiantes ou opositores de Lula, interessados no desenvolvimento da ação em São Bernardo. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, políticos de relevo investigados ou acusados na Lava-Jato sentiram-se “em pânico” com a notícia da prisão de Lula. Líderes relevantes, como o próprio presidente da República Michel Temer, do Movimento da Democracia Brasileira, e o senador do PSDB Aécio Neves, ao perderem o foro privilegiado a partir de 2019 por não terem cargo eletivo, ficam sob alçada de Moro e por isso mais per- to de serem detidos. A notícia da prisão ontem de Paulo Preto, operador do PSDB em alegados negócios ilegais, serviu para aumentar a tensão.
Em São Paulo, a Ibovespa, bolsa de valores brasileira, a relativa euforia da véspera, motivada pela ordem de prisão, não teve sequência ontem: o mercado operou em baixa e o real até se desvalorizou face ao dólar e ao euro.
Até no mercado livreiro houve consequências: AVerdadeVencerá, livro de Lula recém-publicado, entrou na lista dos mais vendidos.