O testamento moral de um admirador de Job
“Os dias de amanhã” é o testamento moral deVictor Cunha Rego, segundoVasco Rosa, que procurou neste trabalho de edição fazer o elogio do melhor jornalismo e fixar a prosa de uma personalidade marcante que, num período conturbado, trouxe do Brasil e de outros países uma nova e decisiva visão dos acontecimentos políticos e sociais. É nestas colunas publicadas no DN que se vai despedindo e deixando aquilo que não queria que ficasse por dizer sobre o mundo e a história, uma luta, nas suas palavras, entre “os monopolistas” e “a ética da humanidade”. Num dos últimos textos do livro, o colunista escreve: “Se tivéssemos de escolher um ser amado, um herói, escolheríamos Job, que jamais se curvou – nem a Deus – perante a evidência de um mundo iníquo.” Na fase em que já estava doente concedeu uma entrevista a Luís Osório, publicada no suplemento DNA, do DN, em 14 de junho de 1997. Definiu-se assim perante uma pergunta sobre o seu posicionamento ideológico: “No sentido lato sou um homem de esquerda. Fui um liberal quando se fizeram verdadeiros crimes políticos no PREC, crimes que iriam levar, sempre soube, àquilo que levaram.” Osório lembra o ambiente da conversa, longa, em que o entrevistado, em vez de querer falar de poder e de política partidária, se mostrava interessado em nomear um mundo de transcendência. “Era alguém que estava em trânsito, já não era daqui. Tinha um bilhete para ir numa viagem.” Na altura o jornalista tinha a obsessão de fazer perguntas às figuras que entrevistava sobre o tema da morte. “Cunha Rego foi a única pessoa que se antecipou ao tema e conduziu a entrevista para onde queria.” Recebeu o jornalista não com a arrogância de quem é sábio mas com a consciência de que ele iria ser um mensageiro de algo que queria passar. “Sou um morto em férias”, terá dito a dado momento, revelando uma característica sua essencial, ainda não mencionada: o sentido de humor.