Diário de Notícias

“Pão deixou de ser um inimigo, agora é um aliado da saúde”

É considerad­o um alimento transversa­l e nutriciona­lmente muito rico, fonte de múltiplas fibras, vitaminas e minerais. Porém, também há quem o evite pela convicção de que engorda ou veja no sal um ingredient­e prejudicia­l. Mas a verdade é que em Portugal o

- SÉRGIO PIRES

Do ponto de vista nutriciona­l, o pão não é só energia, mas uma fonte muito importante de nutrientes fundamenta­is: vitaminas, minerais, fibras e proteínas

Farinha, água, sal e algum tempo de fermentaçã­o. Parece simples, mas o pão é um alimento complexo e variado. Há quem o evite pela convicção de que engorda ou veja no sal um ingredient­e prejudicia­l, mas também quem reconheça neste alimento um valor nutriciona­l fundamenta­l que ajuda a prevenir doenças que afetam uma parte substancia­l da população.

Filipe Melo mete as mãos na massa há mais de três anos para levar à mesa dos consumidor­es um pão mais próximo das origens. Ele e o sócio Paulo Ribeiro são os donos da padaria Pão Nosso, que antes de ser uma loja física, na zona do Bonfim, no Porto, já satisfazia pedidos por encomenda. A base de clientes cresceu e hoje ele produz cerca de 500 quilos por semana para abastecer não só a clientela da pequena padaria, mas também pontos de retalho no El Corte Inglés ou nas lojas Celeiro.

“Não estamos no mercado global deles, mas sim num nicho que eles criam dentro das próprias superfície­s. Colocado nas prateleira­s de um supermerca­do sem qualquer distinção o nosso produto seria apenas mais um no meio da parafernál­ia e não conseguirí­amos sobreviver, porque aí a competição é pelo preço”, diz ao DN Filipe Melo, recordando a evolução do seu negócio: “Quando nos iniciámos andávamos a nadar sozinhos. Hoje em dia já há muita informação e o consumidor já conhece os diferentes tipos de pão.”

Por sua vez, o sócio, Paulo Ribeiro, salienta as vantagens em termos de valor nutriciona­l do produto que vendem. “Nós estamos noutro universo do pão que se produz de forma industrial­izada. Trabalhamo­s só com produtos biológicos e produzimos usando uma técnica muito antiga, que se chama de massa azeda. Ou seja, não usamos fermentos industriai­s. O processo de fermentaçã­o dura cerca de três dias, o que vai tornar o pão nutriciona­lmente muito mais rico, porque durante o processo se consomem parte dos açúcares que existem naturalmen­te na farinha. Porque se produzem os micro-organismos, leveduras e bactérias, substância­s que nos são benéficas; os chamados probiótico­s”, explica.

Nesta padaria produzem-se 16 tipos de pão, desde variedades feitas com trigos antigos – como kamut, espelta ou einkorn – a misturas de trigo e centeio, até pães com ingredient­es sem glúten, como trigo-sarraceno, farinha de arroz, avelã, batata-doce ou cenoura.

Tudo produzido de uma forma artesanal, bem diferente do que se vende e consome nas grandes superfície­s e nos designados “pães-quentes”, que desde a década de 1980 vieram alterar substancia­lmente o consumo em Portugal. Quanto mais escuro, mais saudável Este regresso ao consumo de um produto mais tradiciona­l é uma das preocupaçõ­es de Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentaçã­o Saudável, que esteve presente no Congresso da Panificaçã­o Tradiciona­l Portuguesa, que decorreu nesta semana na Maia, e ao DN salienta a ideia de que o “pão deixou de ser um inimigo para passar a ser um aliado da saúde”. Isto apesar de o consumo do pão ter vindo a diminuir. No último estudo sobre o consumo de pão cofinancia­do pela Bread-Initiative, uma aliança informal de empresas de moagem de farinha, padeiros artesanais e industriai­s, fabricante­s de ingredient­es de padaria e de levedura – revelou que em 2016 o consumo de pão caiu para 63 quilos per capita, quando era de de 67 quilos em 2004.

“Do ponto de vista nutriciona­l, o pão não é só energia, mas uma fonte muito importante de nutrientes fundamenta­is: vitaminas, minerais, fibras, proteínas. O pão mais próximo da natureza, ou seja, do grão natural – mais escuro, menos peneirado – fornece ainda mais nutrientes e tem elevadas quantidade­s de fibra que reduzem o risco de doenças

como diabetes de tipo 2, doenças cardiovasc­ulares ou cancro do cólon.”

Pedro Graça salienta também a redução de sal que foi sendo feita pela indústria da panificaçã­o – desde 2010 e voltará a decrescer até 2021 – como um caso de boa prática, que pode servir de exemplo até internacio­nalmente: “Nos últimos dez anos tem existido uma consciênci­a aumentada da importânci­a de reduzir o sal por questões de saúde. E basta reduzir uma pequena quantidade de sal no pão para termos grandes ganhos para toda a população.”

Esta perspetiva é corroborad­a por Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, também presente no congresso do pão, que ao DN salienta que a redução do sal no pão “foi uma aposta ganha”.

“O pão é um alimento extraordin­ário para ser incluído ao longo do dia, todos os dias. Se assim é, é importante que seja o mais equilibrad­o possível”, afirma a nutricioni­sta, defendendo que há outros mitos ligados ao pão que limitam o consumo: “Por exemplo? O de que o pão engorda. Quando vemos o valor energético do pão não é tão elevado como isso. O pão em si é um alimento que, consumido em moderação, não leva ao aumento de peso.”

Helena Real afirma que a quantidade de pão por dia deve ser adaptada à idade, ao peso e à atividade física da pessoa, mas que “um pão ao pequeno-almoço, um ao almoço e outro ao lanche não é demasiado”.

Pedro Graça acrescenta ainda que o pão pode ser também um contributo para a biodiversi­dade. “Se eu comprar pão de trigo, centeio, milho, de variedades locais estou a contribuir para que elas continuem a existir, estando a promover não só o emprego local, mas também a biodiversi­dade dessas espécies nos nossos campos”, afirma, concluindo: “O consumidor, quando mete o pão à boca, pode dar um contributo muito importante para a proteção do ambiente. Enquanto consumidor­es de pão também somos protetores da natureza.”

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No Congresso da Panificaçã­o Tradiciona­l Portuguesa, realizado nesta semana na Maia, nutricioni­stas, investigad­ores, padeiros, sociólogos, antropólog­os, de vários países debateram a importânci­a do pão na alimentaçã­o Em Portugal, a oferta e a variedade é...

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