Detenção no Vaticano é reveladora da “tolerância zero” contra pedofilia
Antigo diplomata da Santa Sé nos EUA, Carlo Capella, está detido numa cela, no Vaticano, à disposição das autoridades judiciais. É suspeito de ligações a pornografia infantil. Sacerdotes portugueses recordam diretivas do Papa
Papa Francisco recebeu ontem em audiência os jovens da diocese de Bréscia, na sala Paulo VI no Vaticano
JOANA CAPUCHO A detenção de um antigo diplomata do Vaticano por pornografia infantil é vista pelos sacerdotes portugueses como uma demonstração do que é a posição do Papa Francisco em relação a tudo o que diz respeito a pedofilia: “Tolerância zero.” Monsenhor Carlo Capella, que trabalhou na Embaixada da Santa Sé em Washington, foi detido ontem pela polícia do Vaticano, depois de no ano passado ter regressado a Itália, após suspeitas de ter consultado imagens de pornografia infantil nos Estados Unidos.
“O Vaticano está a levar a sério a luta contra a pedofilia por parte do clero. O Papa está a mostrar que quer que se concretize o que é a norma do seu pontificado: tolerância zero para a pedofilia”, diz ao DN o padre Anselmo Borges. Um desígnio, prossegue, que “não pode ficar no ar”. “Tem de ter consequên- cias”, frisa o teólogo. Para frei FernandoVentura, esta detenção também “representa aquela que tem sido a posição do Papa em relação a tudo o que diz respeito a crimes de pedofilia: tolerância zero”. Ao DN, o teólogo lembra que “há ordens específicas para que todos os responsáveis de congregações religiosas denunciem estas situações às autoridades competentes”. Qualquer denúncia, diz, gera um processo interno, além daquele que é instituído pelas autoridades civis do país.
“O Papa tem sido claríssimo em relação a esta questão”, sublinha, lamentando as “denúncias falsas” que têm surgido. “Mas o Papa também se nega a condenar só porque há uma denúncia.” Lembrando que há casos de “aproveitamento” que destroem vidas, Fernando Ventura reconhece que, “infelizmente, a esmagadora maioria dos casos são verdade”. E “só um já era demasiado”.
A detenção surgiu na sequência de uma denúncia feita em Washington, no ano passado. De acordo com a agência France Presse, Carlo Capella é suspeito de ter consultado pornografia infantil na internet, dentro de uma igreja, na cidade de Windsor (Ontário), entre 24 e 27 de dezembro de 2016. As informações fornecidas pelos Estados Unidos terão sido transmitidas ao procurador do tribunal do Vaticano, que deu início a uma investigação.
Esta não é a primeira detenção do género no Vaticano, mas, se as autoridades decidirem avançar com o processo, poderá vir a ser o primeiro julgamento. Isto porque, em 2015, o arcebispo polaco Jozef Wesolowski, um antigo prelado que deveria ser o primeiro julgado por abuso sexual de menores pelo Vaticano, morreu pouco tempo antes do julgamento. Não há estatutos especiais Para o médico e padre José Manuel Pereira de Almeida, a detenção de Carlo Capella acontece “de acordo com as diretivas que o Papa Francisco tem dado a esse propósito”. “Não silenciar, não disfarçar situações destas e outras análogas só faz bem a todos, à sociedade civil, na qual os prelados não têm um estatuto diferente. Devem ser tratados como os outros cidadãos”, enfatiza o sacerdote, acrescentando que “a pornografia infantil é da mesma área criminosa da pedofilia”. Mais do que declarações, afirma, “é particularmente importante que existam concretizações”.
Em 2014, o Papa Francisco revelou, numa entrevista ao jornal italiano La Repubblica, que 2% dos clérigos católicos são pedófilos. “É uma coisa terrível, não só porque a pedofilia é sempre terrível, mas com a agravante de que as pessoas confiavam na Igreja”, diz Anselmo Borges.
Além da pedofilia, temas como a corrupção ou o tráfico de pessoas têm merecido especial atenção por parte de do Papa Francisco. “São escândalos e vergonhas da humanidade”, refere Fernando Ventura. Na sua última mensagem sobre a mobilidade humana, lembra Pereira de Almeida, o Papa alertou para o “tráfico humano de mulheres e crianças que pode estar camuflado”.