“Lisboa vai ter casas com renda acessível para 1100 pessoas”
Presidente da câmara diz que “habitação é um direito” e garante “T0 e T1 a 150/200 euros” em zonas nobres, além de residências para estudantes. Para a Segunda Circular defende uma solução em que “predomine o transporte público”. E alerta para urgência na
Há quase um ano afirmava que “dizer que há turismo a mais em Lisboa era uma visão simplista, tal como é simplista dizer que não é preciso adaptar a cidade a um crescimento turístico na ordem dos dois dígitos”.Tem hoje a cidade mais bem preparada, mais bem adaptada, do que tinha há um ano? Estamos a preparar, estamos a ir adaptando. É um processo exigente e permanente, mas os impactos que o turismo traz – amplamente positivos do ponto de vista do emprego, do investimento, da reabilitação urbana e da economia da cidade – têm associado um conjunto de transformações com as quais precisamos de lidar. O aumento da oferta de transportes, a oferta de habitação acessível, a proteção de edificado e de atividades simbólicas e afetivas da cidade, lojas históricas, por exemplo. A cidade não devia estar a preparar-se para o momento em que deixar de estar na moda? O grande desafio é prolongarmos o momento, é tomarmos as decisões que são necessárias para que este momento de crescimento, de investimento, de dinamismo económico, com tudo o que isso traz associado, se prolongue por mais tempo. Isso significa tornar estruturais coisas que foram conjunturais. Significa termos uma oferta turís- tica diferenciada, de qualidade e sustentável no tempo, que era a questão que estava aqui colocada: o futuro do turismo em Lisboa como motor económico da cidade. Esse futuro passa pela sua sustentabilidade, não podemos abdicar dela, mas passa também pela diversificação da base económica da cidade que é hoje uma cidade muito forte do ponto de vista do emprego de serviços qualificados, que é uma área que é menos falada, com menor visibilidade do que o turismo, mas é muito importante na base económica. Foi muito crítico do projeto que o PS apresentou no Parlamento que permitia aos condóminos vetar o alojamento local no seu prédio. Esta posição do Partido Socialista já evoluiu. Concorda com esta segunda versão do diploma? Eu não conheço ainda a versão, o Parlamento ainda está a trabalhar, está no debate na especialidade. Há a opinião – que eu partilho – positiva, de vários representantes dos partidos, de que deve ser dada autonomia aos municípios para gerirem; e este é um princípio basilar: gerir o alojamento local em Lisboa não é gerir o alojamento local noutro município do país. Se tiver essa autonomia, conta aplicar quotas ao alojamento local? A nossa proposta vai nesse sentido. O que é importante numa cidade, até para manter a sustentabilidade do turismo, é que a cidade mantenha a sua multifuncionalidade, isto é, uma zona da cidade não pode ser só uma zona turística, tem de ser uma zona com residentes, tem de ser uma zona com atividades comerciais, com emprego. O acordo entre Bloco e PS prevê um estudo técnico para definir capacidades máximas de alojamento local nas várias zonas. Esse estudo está feito, está definida essa capacidade máxima? Está iniciado e está em curso. É um trabalho para que estejamos prontos para o dia em que o Parlamento aprovar legislação nesse sentido porque a verdade é que hoje a câmara não tem poder para aplicar as conclusões do estudo. Mas pode dar-nos uma ideia do sentido em que aponta esse estudo? O sentido é tentar definir em cada área o que são as condições para que tenhamos a multifuncionalidade da cidade. Foi por essa razão que avançámos com um programa de atribuição de casas municipais – cerca de cem casas municipais, todo o património municipal da câmara nos bairros históricos – a moradores desses bairros em dificuldade económica que, por pressão da atual lei do arrendamento e da conjuntura que nós vivemos, possam estar a sofrer os riscos da expulsão desses seus bairros históricos. Falou dessas cem habitações, mas a câmara tem sido acusada de alguma inação nesta matéria.Tem consciência de que para uma família de classe média/média-baixa é virtualmente impossível encontrar uma solução de arrendamento ou compra de casa em Lisboa? A autarquia não devia assumir um papel mais ativo neste campo? Essa é uma das questões mais importantes que este executivo enfrenta. Diria que é uma questão também nacional, não é uma questão só da cidade de Lisboa e não é uma questão que o município consiga resolver sozinho. Estamos hoje num momento em que a conjugação do investimento e do turismo, mas sobretudo da mudança do regime de arrendamento, flexibilizou por completo e desequilibrou as relações entre inquilinos e senhorios. Permite-se atualmente um regime de precariedade e de enorme instabilidade no mercado da habitação no segmento que era o do mercado de arrendamento, e esse era precisamente o segmento que interessava às cidades fazer crescer. Portugal tem um acesso à habitação que se fez muito pela aquisição de casa própria. Sabíamos, por isso, que era preciso a dinamização do mercado de arrendamento, até para requalificar as cidades. Sabemos hoje que o regime de arrendamento que temos está a provocar uma grande precariedade nos contratos e uma grave dificuldade no acesso das classes médias
“O grande desafio é tomarmos as decisões necessárias para que o momento de crescimento, de dinamismo económico, se prolongue por mais tempo”
à habitação na cidade de Lisboa. Para isso há dois tipos de medidas. Primeiro, medidas de âmbito nacional imediatas de ação sobre o regime geral de arrendamento: um regime fiscal diferenciado, muito mais favorável para os contratos de arrendamento de longa duração. Esta é uma medida de carácter imediato que vai colocar mais casas no mercado e que, ao fazê-lo, vai apoiar o acesso à habitação. Em segundo lugar, deve haver uma revisão do regime de arrendamento, no sentido de assegurarmos que aqueles que cumprem contratos de arrendamento não estão sujeitos ao regime atual que é um regime de total precariedade. Um contrato de arrendamento no atual regime aproxima-se muito de um contrato flexível de âmbito comercial, o que faz que as pessoas aos 35 anos ou ao fim de cinco anos de um contrato estejam sujeitas a uma rescisão unilateral e tenham de reorganizar por completo a sua vida, com perguntas e com receios insustentáveis: Para onde é que vão morar? Onde é que vão colocar os filhos na escola? Como é que se vão relacionar com os pais, com os familiares que moram nas proximidades? Como é que vão organizar as suas vidas? A habitação não pode estar sujeita a este tipo de precariedade, é um direito fundamental das pessoas, da vida numa cidade, da vida numa comunidade, e tem de ser protegido, acautelado, e têm de ser feitas as alterações que permitam que os contratos de arrendamento tenham como filosofia geral a estabilidade dos contratos a médio e longo prazo. Tem novidades em relação ao programa de renda acessível, sobretudo em relação ao financiamento? Tenho. A câmara está muito empenhada e tem instrumentos; não são de ação imediata como os da frente legislativa e fiscal, mas o que nós estamos a construir em Lisboa é uma solução estrutural para o acesso à habitação das classes médias. Vai demorar algum tempo? Sim, mas é a resposta que é estrutural e que vai marcar o futuro do acesso à habitação na cidade de Lisboa. Essa resposta é assegurarmos que o parque habitacional de iniciativa pública em Lisboa tem a dimensão suficiente para assegurar o acesso à habitação de uma franja muito significativa das classes médias. Quer dar exemplos? Nós definimos o objetivo das seis mil casas neste mandato e o programa está a iniciar o ritmo de cruzeiro. Já na próxima semana, vamos aprovar em câmara a adjudicação do primeiro contrato que vai permitir que seja reabilitada uma zona – a Rua de São Lázaro, ao Martim Moniz, na zona da Baixa – em que vamos disponibilizar cem habitações a preços acessíveis para as classes médias.Vai ser feita a adjudicação a um investidor privado que vai fazer a requalificação e, depois, a gestão do empreendimento. Talvez com mais significado, porque é um processo em que estamos a mobilizar tudo o que conseguimos mobilizar na cidade, é o trabalho que estamos a fazer com a Segurança Social [SS] no sentido de assegurar que vamos conseguir disponibilizar à cidade habitação para mais de 1100 pessoas, entre habitação permanente e residências universitárias, quartos para estudantes universi- tários. A SS e a câmara estão a trabalhar em conjunto para que o património da SS na cidade possa ser mobilizado para o programa de renda acessível. É uma iniciativa muito importante, um sinal muito claro também da Segurança Social de querer participar neste projeto, que vai significar conseguirmos disponibilizar habitação nas zonas nobres da cidade de Lisboa; falo da Avenida dos Estados Unidos da América, da Avenida da República, de Entrecampos, de zonas onde há prédios da Segurança Social, cerca de dez no total. Assim, no global, dez prédios nas zonas nobres e centrais de Lisboa vão permitir que tenhamos mais de 200 apartamentos e cerca de 200 quartos para estudantes universitários. Estamos a falar de um universo global de mais de 1100 pessoas que vão ter acesso à habitação. Contamos fechar o protocolo que nos permita a utilização desses fogos muito em breve e a seguir vamos requalificar esses fogos. Estamos a falar de prédios de escritórios que têm de ser reconvertidos. Como é garantido este financiamento? O financiamento é assegurado pela câmara, num valor que está estimado, neste momento, em 17 milhões para a requalificação. Contamos entregar as primeiras unidades em 2019. E estamos a falar de rendas que podem oscilar entre que valores? São rendas verdadeiramente acessíveis, calculadas em função da capacidade de pagamento das famílias.Valores médios de T0 e T1 em torno de 150/200 euros por mês e, no topo, de valores de T4 que podem andar entre os 400 e os 600 euros mensais. Nesta semana, Helena Roseta disse que há uma espécie de bomba-relógio na cidade com a alienação de parte do património da seguradora Fidelidade. Tem estado a acompanhar o processo? Concorda com este comentário? Temos estado a acompanhar esse processo, concordo com o comentário e faremos o que for necessário para evitar que ela espolete. Aí está um excelente exemplo do que o novo regime de arrendamento urbano está a trazer à cidade de Lisboa neste momento, o que se passa com esse edificado que foi alienado por parte da Fidelidade é que é possível, a partir de determinado momento porque os contratos transitaram quase automaticamente para o novo regime do arrendamento urbano, poder haver processos de rescisão. Estamos a falar de contratos antigos, com pessoas idosas em muitos casos. A lei é limitada do ponto de vista da proteção porque quando se pensou na proteção ela abrange aqueles que aos 65 anos tinham os seus contratos, mas a questão da proteção vai muito mais atrás. Como é que uma pessoa com 50 ou 55 anos se vê hoje na contingência de receber uma carta de um momento para o outro que diz: “Desculpe, o senhor ou duplica a sua renda ou tem de sair”? E isso está efetivamente a acontecer? Pode acontecer relativamente a estes e outros edifícios. Hoje a precariedade, aqui na sua aceção plena, é em matéria de habitação verdadeiramente desestruturante da vida de famílias e cidades.
“O regime de arrendamento urbano está a provocar uma grande precariedade nos contratos e uma grave dificuldade no acesso das classes médias à habitação na cidade de Lisboa”
“A habitação é um direito fundamental das pessoas, da vida numa cidade, da vida numa comunidade, e que tem de ser protegido”
“Teremos rendas com valores médios de T0 e T1 em torno de 150/200 euros por mês e, no topo, valores de T4 que podem andar entre os 400 e os 600 euros mensais”