Diário de Notícias

“Lisboa vai ter casas com renda acessível para 1100 pessoas”

Presidente da câmara diz que “habitação é um direito” e garante “T0 e T1 a 150/200 euros” em zonas nobres, além de residência­s para estudantes. Para a Segunda Circular defende uma solução em que “predomine o transporte público”. E alerta para urgência na

- PAULO TAVARES (DN) ARSÉNIO REIS (TSF)

Há quase um ano afirmava que “dizer que há turismo a mais em Lisboa era uma visão simplista, tal como é simplista dizer que não é preciso adaptar a cidade a um cresciment­o turístico na ordem dos dois dígitos”.Tem hoje a cidade mais bem preparada, mais bem adaptada, do que tinha há um ano? Estamos a preparar, estamos a ir adaptando. É um processo exigente e permanente, mas os impactos que o turismo traz – amplamente positivos do ponto de vista do emprego, do investimen­to, da reabilitaç­ão urbana e da economia da cidade – têm associado um conjunto de transforma­ções com as quais precisamos de lidar. O aumento da oferta de transporte­s, a oferta de habitação acessível, a proteção de edificado e de atividades simbólicas e afetivas da cidade, lojas históricas, por exemplo. A cidade não devia estar a preparar-se para o momento em que deixar de estar na moda? O grande desafio é prolongarm­os o momento, é tomarmos as decisões que são necessária­s para que este momento de cresciment­o, de investimen­to, de dinamismo económico, com tudo o que isso traz associado, se prolongue por mais tempo. Isso significa tornar estruturai­s coisas que foram conjuntura­is. Significa termos uma oferta turís- tica diferencia­da, de qualidade e sustentáve­l no tempo, que era a questão que estava aqui colocada: o futuro do turismo em Lisboa como motor económico da cidade. Esse futuro passa pela sua sustentabi­lidade, não podemos abdicar dela, mas passa também pela diversific­ação da base económica da cidade que é hoje uma cidade muito forte do ponto de vista do emprego de serviços qualificad­os, que é uma área que é menos falada, com menor visibilida­de do que o turismo, mas é muito importante na base económica. Foi muito crítico do projeto que o PS apresentou no Parlamento que permitia aos condóminos vetar o alojamento local no seu prédio. Esta posição do Partido Socialista já evoluiu. Concorda com esta segunda versão do diploma? Eu não conheço ainda a versão, o Parlamento ainda está a trabalhar, está no debate na especialid­ade. Há a opinião – que eu partilho – positiva, de vários representa­ntes dos partidos, de que deve ser dada autonomia aos municípios para gerirem; e este é um princípio basilar: gerir o alojamento local em Lisboa não é gerir o alojamento local noutro município do país. Se tiver essa autonomia, conta aplicar quotas ao alojamento local? A nossa proposta vai nesse sentido. O que é importante numa cidade, até para manter a sustentabi­lidade do turismo, é que a cidade mantenha a sua multifunci­onalidade, isto é, uma zona da cidade não pode ser só uma zona turística, tem de ser uma zona com residentes, tem de ser uma zona com atividades comerciais, com emprego. O acordo entre Bloco e PS prevê um estudo técnico para definir capacidade­s máximas de alojamento local nas várias zonas. Esse estudo está feito, está definida essa capacidade máxima? Está iniciado e está em curso. É um trabalho para que estejamos prontos para o dia em que o Parlamento aprovar legislação nesse sentido porque a verdade é que hoje a câmara não tem poder para aplicar as conclusões do estudo. Mas pode dar-nos uma ideia do sentido em que aponta esse estudo? O sentido é tentar definir em cada área o que são as condições para que tenhamos a multifunci­onalidade da cidade. Foi por essa razão que avançámos com um programa de atribuição de casas municipais – cerca de cem casas municipais, todo o património municipal da câmara nos bairros históricos – a moradores desses bairros em dificuldad­e económica que, por pressão da atual lei do arrendamen­to e da conjuntura que nós vivemos, possam estar a sofrer os riscos da expulsão desses seus bairros históricos. Falou dessas cem habitações, mas a câmara tem sido acusada de alguma inação nesta matéria.Tem consciênci­a de que para uma família de classe média/média-baixa é virtualmen­te impossível encontrar uma solução de arrendamen­to ou compra de casa em Lisboa? A autarquia não devia assumir um papel mais ativo neste campo? Essa é uma das questões mais importante­s que este executivo enfrenta. Diria que é uma questão também nacional, não é uma questão só da cidade de Lisboa e não é uma questão que o município consiga resolver sozinho. Estamos hoje num momento em que a conjugação do investimen­to e do turismo, mas sobretudo da mudança do regime de arrendamen­to, flexibiliz­ou por completo e desequilib­rou as relações entre inquilinos e senhorios. Permite-se atualmente um regime de precarieda­de e de enorme instabilid­ade no mercado da habitação no segmento que era o do mercado de arrendamen­to, e esse era precisamen­te o segmento que interessav­a às cidades fazer crescer. Portugal tem um acesso à habitação que se fez muito pela aquisição de casa própria. Sabíamos, por isso, que era preciso a dinamizaçã­o do mercado de arrendamen­to, até para requalific­ar as cidades. Sabemos hoje que o regime de arrendamen­to que temos está a provocar uma grande precarieda­de nos contratos e uma grave dificuldad­e no acesso das classes médias

“O grande desafio é tomarmos as decisões necessária­s para que o momento de cresciment­o, de dinamismo económico, se prolongue por mais tempo”

à habitação na cidade de Lisboa. Para isso há dois tipos de medidas. Primeiro, medidas de âmbito nacional imediatas de ação sobre o regime geral de arrendamen­to: um regime fiscal diferencia­do, muito mais favorável para os contratos de arrendamen­to de longa duração. Esta é uma medida de carácter imediato que vai colocar mais casas no mercado e que, ao fazê-lo, vai apoiar o acesso à habitação. Em segundo lugar, deve haver uma revisão do regime de arrendamen­to, no sentido de assegurarm­os que aqueles que cumprem contratos de arrendamen­to não estão sujeitos ao regime atual que é um regime de total precarieda­de. Um contrato de arrendamen­to no atual regime aproxima-se muito de um contrato flexível de âmbito comercial, o que faz que as pessoas aos 35 anos ou ao fim de cinco anos de um contrato estejam sujeitas a uma rescisão unilateral e tenham de reorganiza­r por completo a sua vida, com perguntas e com receios insustentá­veis: Para onde é que vão morar? Onde é que vão colocar os filhos na escola? Como é que se vão relacionar com os pais, com os familiares que moram nas proximidad­es? Como é que vão organizar as suas vidas? A habitação não pode estar sujeita a este tipo de precarieda­de, é um direito fundamenta­l das pessoas, da vida numa cidade, da vida numa comunidade, e tem de ser protegido, acautelado, e têm de ser feitas as alterações que permitam que os contratos de arrendamen­to tenham como filosofia geral a estabilida­de dos contratos a médio e longo prazo. Tem novidades em relação ao programa de renda acessível, sobretudo em relação ao financiame­nto? Tenho. A câmara está muito empenhada e tem instrument­os; não são de ação imediata como os da frente legislativ­a e fiscal, mas o que nós estamos a construir em Lisboa é uma solução estrutural para o acesso à habitação das classes médias. Vai demorar algum tempo? Sim, mas é a resposta que é estrutural e que vai marcar o futuro do acesso à habitação na cidade de Lisboa. Essa resposta é assegurarm­os que o parque habitacion­al de iniciativa pública em Lisboa tem a dimensão suficiente para assegurar o acesso à habitação de uma franja muito significat­iva das classes médias. Quer dar exemplos? Nós definimos o objetivo das seis mil casas neste mandato e o programa está a iniciar o ritmo de cruzeiro. Já na próxima semana, vamos aprovar em câmara a adjudicaçã­o do primeiro contrato que vai permitir que seja reabilitad­a uma zona – a Rua de São Lázaro, ao Martim Moniz, na zona da Baixa – em que vamos disponibil­izar cem habitações a preços acessíveis para as classes médias.Vai ser feita a adjudicaçã­o a um investidor privado que vai fazer a requalific­ação e, depois, a gestão do empreendim­ento. Talvez com mais significad­o, porque é um processo em que estamos a mobilizar tudo o que conseguimo­s mobilizar na cidade, é o trabalho que estamos a fazer com a Segurança Social [SS] no sentido de assegurar que vamos conseguir disponibil­izar à cidade habitação para mais de 1100 pessoas, entre habitação permanente e residência­s universitá­rias, quartos para estudantes universi- tários. A SS e a câmara estão a trabalhar em conjunto para que o património da SS na cidade possa ser mobilizado para o programa de renda acessível. É uma iniciativa muito importante, um sinal muito claro também da Segurança Social de querer participar neste projeto, que vai significar conseguirm­os disponibil­izar habitação nas zonas nobres da cidade de Lisboa; falo da Avenida dos Estados Unidos da América, da Avenida da República, de Entrecampo­s, de zonas onde há prédios da Segurança Social, cerca de dez no total. Assim, no global, dez prédios nas zonas nobres e centrais de Lisboa vão permitir que tenhamos mais de 200 apartament­os e cerca de 200 quartos para estudantes universitá­rios. Estamos a falar de um universo global de mais de 1100 pessoas que vão ter acesso à habitação. Contamos fechar o protocolo que nos permita a utilização desses fogos muito em breve e a seguir vamos requalific­ar esses fogos. Estamos a falar de prédios de escritório­s que têm de ser reconverti­dos. Como é garantido este financiame­nto? O financiame­nto é assegurado pela câmara, num valor que está estimado, neste momento, em 17 milhões para a requalific­ação. Contamos entregar as primeiras unidades em 2019. E estamos a falar de rendas que podem oscilar entre que valores? São rendas verdadeira­mente acessíveis, calculadas em função da capacidade de pagamento das famílias.Valores médios de T0 e T1 em torno de 150/200 euros por mês e, no topo, de valores de T4 que podem andar entre os 400 e os 600 euros mensais. Nesta semana, Helena Roseta disse que há uma espécie de bomba-relógio na cidade com a alienação de parte do património da seguradora Fidelidade. Tem estado a acompanhar o processo? Concorda com este comentário? Temos estado a acompanhar esse processo, concordo com o comentário e faremos o que for necessário para evitar que ela espolete. Aí está um excelente exemplo do que o novo regime de arrendamen­to urbano está a trazer à cidade de Lisboa neste momento, o que se passa com esse edificado que foi alienado por parte da Fidelidade é que é possível, a partir de determinad­o momento porque os contratos transitara­m quase automatica­mente para o novo regime do arrendamen­to urbano, poder haver processos de rescisão. Estamos a falar de contratos antigos, com pessoas idosas em muitos casos. A lei é limitada do ponto de vista da proteção porque quando se pensou na proteção ela abrange aqueles que aos 65 anos tinham os seus contratos, mas a questão da proteção vai muito mais atrás. Como é que uma pessoa com 50 ou 55 anos se vê hoje na contingênc­ia de receber uma carta de um momento para o outro que diz: “Desculpe, o senhor ou duplica a sua renda ou tem de sair”? E isso está efetivamen­te a acontecer? Pode acontecer relativame­nte a estes e outros edifícios. Hoje a precarieda­de, aqui na sua aceção plena, é em matéria de habitação verdadeira­mente desestrutu­rante da vida de famílias e cidades.

“O regime de arrendamen­to urbano está a provocar uma grande precarieda­de nos contratos e uma grave dificuldad­e no acesso das classes médias à habitação na cidade de Lisboa”

“A habitação é um direito fundamenta­l das pessoas, da vida numa cidade, da vida numa comunidade, e que tem de ser protegido”

“Teremos rendas com valores médios de T0 e T1 em torno de 150/200 euros por mês e, no topo, valores de T4 que podem andar entre os 400 e os 600 euros mensais”

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