Sete pecados mortais revisitados através de sete filmes no CCB
Filmes de Orson Welles, Stanley Kubrick e Martin Scorsese, entre outros, mostram como o cinema tratou as imperfeições humanas
Cinema da luxúria: Nicole Kidman filmada por Stanley Kubrick em De Olhos Bem Fechados
JOÃO LOPES do magret de canard e dos éclairs é suficiente para valer alguma tolerância das forças divinas. Aliás, num paradoxo que prescinde de qualquer caução racional, convém lembrar que entre as mais lendárias referências da história da indústria cinematográfica francesa encontramos os Laboratórios Éclair. como se os nossos olhos não suspeitassem, de imediato, que algo de pecaminoso está para acontecer. Kidman e Tom Cruise, então seu marido, representam com comovente transparência as angústias do espaço conjugal. Divorciaram-se cerca de um ano e meio mais tarde, como se a sua separação fosse o epílogo real do próprio filme... mas é pecado especular sobre isso.
O ciclo inclui uma maioria de filmes (quatro) a preto e branco. Lou- vável perversão, sem dúvida: afinal de contas, muitos espectadores foram (mal) ensinados a pensar que o preto e branco não passa de um incidente pitoresco, como tal dispensável, na história global do cinema. Ora, neste caso, podemos redescobrir as glórias do preto e branco num arco histórico de mais de meio século, desde a amargura dramática e melodramática de Orson Welles, em O Quarto Mandamento (1942), até à fúria realista de Mathieu Kassovitz, em O Ódio (1995).
Neste lote, inclui-se também o luminoso humor de Jacques Tati, em As Férias do Sr. Hulot (1953), e esse conto cruel de Hollywood que é Que Teria Acontecido a Baby Jane? (1962), com Robert Aldrich a dirigir as infernais Bette Davis e Joan Crawford. Representando duas irmãs num ritual de autodestruição emocional, este é um filme que ilustra também as convulsões do cinema americano na década de 1960. A pouco e pouco, as estrelas clássicas, aqui em assumida caricatura do seu envelhecimento, iam dando lugar a outros rostos e, sobretudo, novas narrativas. Para ficarmos por uma referência sintomática, lembremos que 1962 é o ano de Lolita, a adaptação do romance de Vladimir Nabokov por Kubrick, filme também possível em qualquer memória mais ou menos pecaminosa.
Enfim, sublinhemos a apoteose final do ciclo, O Lobo de Wall Street (2013), com Martin Scorsese a dirigir o admirável Leonardo DiCaprio numa história de muito e pecaminoso dinheiro: gula, luxúria, ira, inveja, preguiça, soberba e avareza – está tudo aqui, ou não fosse Scorsese um genial retratista das nossas humanas imperfeições.