Diário de Notícias

O drama da expulsão de habitantes dos centros é demasiado grave e complexo para que se admita a sua instrument­alização para combate partidário

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o Estado cobriria a diferença entre aquilo que se considerav­a que o inquilino podia pagar (uma dada percentage­m do seu rendimento) e o valor fixado. Quando em 2012 o governo Passos alterou a lei, essa regra não foi alterada, fixando-se o valor da renda definitiva, ou seja, no fim da moratória, em 1/15 do valor patrimonia­l do locado – num apartament­o com valor patrimonia­l de cem mil euros, não podia ultrapassa­r 555 euros mensais. Em junho de 2017, a atual maioria resolveu estender a moratória até 2020 no caso de inquilinos que invoquem rendimento bruto corrigido inferior ao valor citado e 2023 para maiores de 65 e deficiente­s ou, no caso de arrendamen­to comercial, microempre­sas, associaçõe­s para fins não lucrativos ou repúblicas de estudantes.

Esta alteração foi justificad­a com a defesa dos idosos e dos desmunidos, mas, na verdade, limita-se a poupar ao Estado o valor que este seria obrigado a desembolsa­r para ajudar os inquilinos a pagar as rendas que o próprio Estado fixou, onerando proprietár­ios que há décadas recebem rendas baixíssima­s com a assistênci­a social a que este está constituci­onalmente obrigado. Uma espécie de expropriaç­ão sonsa, com o escândalo acrescido de o Estado não efetuar qualquer redução no IMI e no IRS daqueles a quem obriga a fazer de santa casa.

Perante isto, que podem fazer estes proprietár­ios? Enquanto o mercado imobiliári­o esteve em crise, ou se conformava­m ou vendiam aos inquilinos a preços de saldo, para não terem mais prejuízo. Mas agora que, sobretudo nos centros de Lisboa e Porto, uma conjugação de fatores nos quais avultam a explosão turística e o redirecion­amento do mercado internacio­nal para o investimen­to em imobiliári­o está a inflaciona­r desmedidam­ente o valor das casas, os proprietár­ios depauperad­os são confrontad­os com ofertas milionária­s – e vendem, já que não vislumbram o dia em que possam receber um valor razoável pelo que é seu. E quem compra por atacado prédios que décadas de rendimento muito baixo deixaram em mau estado fá-lo porque tem poder económico para, de acordo com a lei (que esta maioria, curiosamen­te, não alterou nesse aspeto), despejar os inquilinos para “remodelaçã­o profunda” pagando-lhes indemnizaç­ões fixadas em dois anos de renda – portanto muito baratas – ou propondo-lhes realojamen­to por três anos.

O congelamen­to das rendas foi um erro histórico com múltiplos efeitos perversos; considerar que qualquer solução à calamidade que se vive nos centros de Lisboa e Porto passa por mais congelamen­to é de bradar aos céus, tanto mais que muitos dos despejos são resultante­s da não renovação de contratos posteriore­s a 1990, quando o mercado de arrendamen­to foi liberaliza­do. É preciso pensar uma forma de intervir que limite a possibilid­ade de aumento histérico das rendas sem desmotivar o interesse dos proprietár­ios pelo arrendamen­to de longa duração. Condená-los à benemerênc­ia e portanto à ruína, que é o que congelamen­to das rendas implica, não só é completame­nte iníquo como tem tido o belo resultado a que estamos a assistir.

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