Viva a vida
De hoje tudo já foi dito por um tango de Gardel: cinco irmãos e ela, uma santa.” Silêncio.“Ficou muito só, com cinco medalhas/ Que para cinco heróis, a premiou a pátria.” Silêncio.Viva os jovens soldados portugueses, enganados sem causa. Enterrados nas trincheiras de La Lys, abandonados.Viva os jovens soldados alemães, tão sem causa como os soldados transmontanos, incluindo o Milhões.Viva os franceses deVerdun e os turcos de Galípoli, nenhum sem razão, só o direito de não morrer sem razões. Abaixo os muitos intelectuais que no início da Grande Guerra defenderam a matança como necessária para galvanizar o progresso. Viva os poucos intelectuais, como o pacifista Barbusse, que souberam amar os homens apesar dos patrioteiros.Viva Stefan Zweig, que soube ver a morte que a guerra trouxe à civilização europeia e à suaViena, perda que percebemos tarde.Viva André Brun,o lisboeta do teatro alegre que já quase quarentão viveu na lama, se barbeava de cor e sem espelho, dormia com ratos, no frio, entre cavalos mortos e inchados, e nos contou e “esse dia nove”, que hoje faz 100 anos.Viva o Brun, a quem não ligamos há cem anos. Abaixo os generais sem honra – da Inglaterra da democracia e da França dos direitos humanos – que fuzilaram os soldados seus para servir de exemplo.Viva o soldado, como tantos houve, que desviou da mira o irmão do outro lado da trincheira. Saúdem-se os primeiros monumentos, ao fim de milénios de guerras, erguidos ao Soldado Desconhecido e não aos imperadores, césares, reis e generais – um passo em frente. Abaixo o passo atrás: os açougueiros do lucro que, em França, ganharam concurso para funerais dos soldados, meteram-nos no pinho mais barato, em caixões de metro e meio e enfiaram os corpos lá dentro à sacholada. Honra aos soldados tão novos, tão desperdiçados. E nós sem vê-los no que eles mais nos mostraram: tão com uma vida que não tiveram.Viva a vida.