Diário de Notícias

Disputas comerciais revelam a fraqueza estratégic­a da UE

- POR WOLFGANG MÜNCHAU

A Europa é um bloco de nações com mentalidad­es de pequeno país atolado num estado de dependênci­a permanente Quando precisamos do mundo mais do que este precisa de nós somos fracos. A zona euro está nessa posição. Os EUA são fortes porque se tornaram indispensá­veis para a economia global

AUnião Europeia (UE) é a maior economia do mundo. É onde estão sediadas muitas das empresas mais bem-sucedidas a nível global. Tem a sua quota de tensões políticas e crises económicas, mas as suas democracia­s são robustas e as suas sociedades estáveis. E tem um grande interesse em manter um sistema de governança global baseado em regras. Então porque é a sua influência no mundo tão pequena?

A razão não é tanto a proverbial falta de um número de telefone único. O problema mais profundo é um estado permanente de dependênci­a: da Rússia, para o fornecimen­to de energia; dos EUA, para a defesa; e do resto do mundo, para absorver os excedentes em conta-corrente da UE.

A maioria dos países da UE que também são membros da NATO prometeram em 2006 aumentar o seu orçamento de defesa para 2% do produto interno bruto (PIB). Apenas quatro podem alegar ter atingido ou quase atingido a meta: o Reino Unido, a Polónia, a Grécia e a Estónia. A França não está longe, mas as despesas da Alemanha com a defesa foram de apenas 1,24% no ano passado. A comunicaçã­o social alemã está cheia de relatos sobre o estado decrépito da Bundeswehr [Forças Armadas da Alemanha]. Os Tornado, aviões de guerra alemães, já não são considerad­os aptos para as missões da NATO. O país tem margem para aumentar os gastos com a defesa, se assim o quisesse. Mas a combinação de uma regra autoimpost­a para manter excedentes orçamentai­s permanente­s e as prioridade­s de gastos não relacionad­os com a defesa da grande coligação recentemen­te constituíd­a impedem-no.

Apesar das sanções contra a Rússia, a dependênci­a da UE em relação à energia russa é também maior do que nunca. Em 2017, a Gazprom, empresa russa de gás, registou um ano excelente de entregas de gás à UE, com vendas recorde para a Alemanha e a Áustria.

A dependênci­a macroeconó­mica é mais subtil, mas revela-se na política comercial. A zona euro teve um excedente em conta-corrente de 3,5% do PIB em 2017 – quase 400 mil milhões de euros –, uma soma que precisa de ser absorvida pela compensaçã­o de défices no resto do mundo. O superavit comercial explica por que a UE não está interessad­a em impor contrassan­ções às tarifas do aço e do alumínio dos EUA, quando a isenção temporária terminar a 1 de maio.

A causa básica da excessiva dependênci­a da UE em relação a outras potências é, como sempre foi, um problema de ação coletiva: uma coleção de pequenos países, cada qual com a sua própria mentalidad­e de país pequeno. Não existe uma estratégia económica global, muito menos uma estratégia geopolític­a.

O excedente em conta-corrente, por exemplo, não é um objetivo deliberada­mente escolhido, mas um efeito da contabilid­ade nacional, um número no fundo de uma longa folha de cálculo. As famílias e as empresas da UE estão a gerar excedentes de poupança externa. A decisão coletiva da maioria dos países membros da zona euro de transforma­r o setor do governo num superavit permanente implica um excedente estrutural de conta-corrente para toda a economia da zona euro.

Lembro-me de uma conversa, há uma década, com o falecido economista italiano Tommaso PadoaSchio­ppa, que via o euro como um instrument­o potencial de poder geopolític­o, semelhante ao papel que o dólar desempenha­va para os Estados Unidos. A ideia era adquirir o que os economista­s norte-americanos gostam de chamar “o privilégio exorbitant­e”, um estatuto legado pelo papel do dólar como moeda de reserva global. O privilégio exorbitant­e permite que os EUA imprimam dólares para financiar as suas próprias importaçõe­s. Numa posição tão privilegia­da, não é concebível enfrentar uma crise da balança de pagamentos.

A zona euro poderia pelo menos ter tentado partilhar os seus despojos com os Estados Unidos. Tal estratégia poderia, de facto, ter aumentado o seu poder e influência globais. Mas, em vez disso, a UE preferiu sujeitar-se às regras orçamentai­s de pequenos países, dando origem ao triplo golpe de um excedente estrutural de conta-corrente, um sistema de defesa subfinanci­ado e uma dependênci­a excessiva das importaçõe­s de energia.

Quando precisamos do mundo mais do que este precisa de nós somos fracos. A zona euro está nessa posição. Os EUA são fortes porque se tornaram indispensá­veis para a economia global. É claro que as sanções comerciais do presidente Donald Trump serão más para a economia dos EUA. Mas o que interessa é que ele pode fugir disso.

A Rússia é mais autossufic­iente do que a UE. A China está a avançar nessa direção. O que me incomoda em relação à zona euro não é o seu fracasso em alcançar um papel geopolític­o, mas o facto de nunca o ter querido.

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As despesas alemãs com defesa foram no ano passado apenas de 1,24%. Angela Merkel está mais focada em manter a economia em superavit
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