Disputas comerciais revelam a fraqueza estratégica da UE
A Europa é um bloco de nações com mentalidades de pequeno país atolado num estado de dependência permanente Quando precisamos do mundo mais do que este precisa de nós somos fracos. A zona euro está nessa posição. Os EUA são fortes porque se tornaram indispensáveis para a economia global
AUnião Europeia (UE) é a maior economia do mundo. É onde estão sediadas muitas das empresas mais bem-sucedidas a nível global. Tem a sua quota de tensões políticas e crises económicas, mas as suas democracias são robustas e as suas sociedades estáveis. E tem um grande interesse em manter um sistema de governança global baseado em regras. Então porque é a sua influência no mundo tão pequena?
A razão não é tanto a proverbial falta de um número de telefone único. O problema mais profundo é um estado permanente de dependência: da Rússia, para o fornecimento de energia; dos EUA, para a defesa; e do resto do mundo, para absorver os excedentes em conta-corrente da UE.
A maioria dos países da UE que também são membros da NATO prometeram em 2006 aumentar o seu orçamento de defesa para 2% do produto interno bruto (PIB). Apenas quatro podem alegar ter atingido ou quase atingido a meta: o Reino Unido, a Polónia, a Grécia e a Estónia. A França não está longe, mas as despesas da Alemanha com a defesa foram de apenas 1,24% no ano passado. A comunicação social alemã está cheia de relatos sobre o estado decrépito da Bundeswehr [Forças Armadas da Alemanha]. Os Tornado, aviões de guerra alemães, já não são considerados aptos para as missões da NATO. O país tem margem para aumentar os gastos com a defesa, se assim o quisesse. Mas a combinação de uma regra autoimposta para manter excedentes orçamentais permanentes e as prioridades de gastos não relacionados com a defesa da grande coligação recentemente constituída impedem-no.
Apesar das sanções contra a Rússia, a dependência da UE em relação à energia russa é também maior do que nunca. Em 2017, a Gazprom, empresa russa de gás, registou um ano excelente de entregas de gás à UE, com vendas recorde para a Alemanha e a Áustria.
A dependência macroeconómica é mais subtil, mas revela-se na política comercial. A zona euro teve um excedente em conta-corrente de 3,5% do PIB em 2017 – quase 400 mil milhões de euros –, uma soma que precisa de ser absorvida pela compensação de défices no resto do mundo. O superavit comercial explica por que a UE não está interessada em impor contrassanções às tarifas do aço e do alumínio dos EUA, quando a isenção temporária terminar a 1 de maio.
A causa básica da excessiva dependência da UE em relação a outras potências é, como sempre foi, um problema de ação coletiva: uma coleção de pequenos países, cada qual com a sua própria mentalidade de país pequeno. Não existe uma estratégia económica global, muito menos uma estratégia geopolítica.
O excedente em conta-corrente, por exemplo, não é um objetivo deliberadamente escolhido, mas um efeito da contabilidade nacional, um número no fundo de uma longa folha de cálculo. As famílias e as empresas da UE estão a gerar excedentes de poupança externa. A decisão coletiva da maioria dos países membros da zona euro de transformar o setor do governo num superavit permanente implica um excedente estrutural de conta-corrente para toda a economia da zona euro.
Lembro-me de uma conversa, há uma década, com o falecido economista italiano Tommaso PadoaSchioppa, que via o euro como um instrumento potencial de poder geopolítico, semelhante ao papel que o dólar desempenhava para os Estados Unidos. A ideia era adquirir o que os economistas norte-americanos gostam de chamar “o privilégio exorbitante”, um estatuto legado pelo papel do dólar como moeda de reserva global. O privilégio exorbitante permite que os EUA imprimam dólares para financiar as suas próprias importações. Numa posição tão privilegiada, não é concebível enfrentar uma crise da balança de pagamentos.
A zona euro poderia pelo menos ter tentado partilhar os seus despojos com os Estados Unidos. Tal estratégia poderia, de facto, ter aumentado o seu poder e influência globais. Mas, em vez disso, a UE preferiu sujeitar-se às regras orçamentais de pequenos países, dando origem ao triplo golpe de um excedente estrutural de conta-corrente, um sistema de defesa subfinanciado e uma dependência excessiva das importações de energia.
Quando precisamos do mundo mais do que este precisa de nós somos fracos. A zona euro está nessa posição. Os EUA são fortes porque se tornaram indispensáveis para a economia global. É claro que as sanções comerciais do presidente Donald Trump serão más para a economia dos EUA. Mas o que interessa é que ele pode fugir disso.
A Rússia é mais autossuficiente do que a UE. A China está a avançar nessa direção. O que me incomoda em relação à zona euro não é o seu fracasso em alcançar um papel geopolítico, mas o facto de nunca o ter querido.