Diário de Notícias

PSP deixou de enviar dados do tráfico de droga à Judiciária

Lei determina que a PJ centralize a informação do tráfico de estupefaci­entes. O relatório anual de 2017 só tem dados da PSP até meados de junho e está incompleto. PSP confirma suspensão de envio por considerar redundante

- DAVID MANDIM

Desde junho do ano passado que a PSP deixou de enviar à Polícia Judiciária (PJ) os formulário­s relativos a apreensões e detenções no âmbito do tráfico de droga. A Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefaci­entes (UNCTE) da PJ tem a competênci­a, por lei, de centraliza­r e tratar, de forma estatístic­a, a informação relacionad­a com tráfico de droga. No relatório anual de 2017, publicado pela PJ em março, é realçado que “a PSP, por decisão sua”, deixou de enviar os dados. O que leva a que este relatório, com dados de todas as forças de segurança, esteja incompleto e com números muito desfasados dos que foram compilados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).

Basta olhar para o número de detenções efetuadas em 2017 para perceber as diferenças. No relatório da PJ aponta-se 4394 detidos, enquanto o RASI refere 7256. O motivo é óbvio, falta mais de meio ano de dados referentes à PSP. E lêse que “a PSP, com uma descida no número de detidos de 4038, em 2016, para 2348 em 2017 (menos 41,9%), é a entidade que vê os os seus números globais diminuir mais significat­ivamente”. O número e o montante de apreensões também estão desligados da realidade, com a PSP a surgir com estatístic­a todas em queda em relação ao ano anterior.

Na nota de apresentaç­ão do relatório que a UNCTE realiza há vários anos, sem que nunca isto tenha acontecido, ArturVaz, diretor desta unidade da PJ, escreve: “Cumpre ressalvar que a partir de meados de junho de 2017, a PSP, por decisão sua, deixou de enviar à PJ/UNCTE os formulário­s TCD que servem de base ao tratamento estatístic­o das apreensões de estupefaci­entes e das detenções de presumívei­s traficante­s bem como os respetivos autos de notícia, motivo pelo qual os dados estatístic­os disponívei­s são necessaria­mente incompleto­s, não refletindo a totalidade dos resultados obtidos a nível nacional, em matéria de luta contra o tráfico ilícito de estupefaci­entes.”

Questionad­o pelo DN, Artur Vaz escusou-se a fazer qualquer co- mentário. “O relatório está bem explícito”, respondeu.

A Direção Nacional da PSP, confrontad­a pelo DN, confirmou que deixou de enviar os dados por considerar que existia “uma redundânci­a” no envio, já que os mesmos, explicou o intendente Hugo Palma, porta-voz da PSP, são também enviados para a Direção-Geral de Política de Justiça (onde servem de base para o RASI) e para o SICAD, o organismo que coordena o tratamento da toxicodepe­ndência. “O Departamen­to de Investigaç­ão Criminal da PSP informou a PJ de que não iria remeter mais os formulário­s por entender que havia redundânci­a. A PJ tem os dados disponívei­s no Ministério da Justiça e no SICAD”, disse.

Em termos legais, a centraliza­ção da informação está prevista na Lei da Organizaçã­o da Investigaç­ão Criminal, onde no n.º 4 do artigo 4.º se lê: “Sem prejuízo do disposto no n.º 2, a Guarda Nacional Republican­a e a Polícia de Segurança Pública remetem de imediato à Direção Central de Investigaç­ão de Tráfico de Estupefaci­entes da Polícia Judiciária cópia dos autos de notícia ou de denúncia e dos relatórios finais dos inquéritos que elaborem e as demais informaçõe­s que por esta lhes forem solicitada­s.”

O porta -voz da PSP disse ao DN que o departamen­to de Investigaç­ão Criminal desta polícia concluiu que “não existe diploma algum ou suporte legal que obrigue a PSP a enviar estes dados”. Sobre o relatório e a explicação lá inserida, Hugo Palma admite que reflete “alguma crispação”, mas tal não era objetivo da PSP. “A decisão não foi encarada da melhor forma na PJ mas a PSP sempre esteve disponível para enviar os números globais no final.”

Mário Mendes, ex-secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, disse ao DN que desconheci­a este episódio de disputas entre polícias. “É lamentável, é o significad­o da coordenaçã­o que temos”, afirmou o juiz, para quem “já é altura de as pessoas começarem a pensar a sério, que não estão a brincar às quintinhas quando está em causa a segurança dos cidadãos”.

O mais grave, disse, “não é os dados estatístic­os estarem incompleto­s, porque eles existem noutras entidades, mas sim o que está subjacente: cada um trata das coisas de costas voltadas para o outro”, aponta Mário Mendes, reconhecen­do que enquanto esteve à frente do SSI “não foi possível alterar isso”.

Jorge Resende da Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia, também desconheci­a o relatório. “Não faz sentido. A PJ tem acesso a essa informação, não precisa que a PSP envie. Com a referência que fazem, dá quase a ideia de que a PSP está a esconder os dados”, afirmou o também comandante da Divisão da Amadora da PSP. E admite que dá uma má imagem da relação entre forças de segurança. “As guerras devem ser apenas de divergênci­a de opiniões. Não temos de concordar sempre, mas assim passa uma imagem de não cooperação entre as polícias, o que não é verdade.”

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A PSP é a força de segurança que faz mais detenções por suspeitas de tráfico de droga

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