Diário de Notícias

Ter militares no banco dos réus poderá obrigar Comandos a alterar recruta

Esta é a convicção dos advogados das vítimas do caso dos Comandos após tribunal ter posto em causa treino dos militares

- PAULA FREITAS FERREIRA

“O Exército não pode ficar indiferent­e a um despacho de pronúncia proferido por um juiz de instrução criminal”

MIGUEL PEREIRA

ADVOGADO DA FAMÍLIA DE DYLAN DA SILVA

O Exército terá de rever o curso de instrução de Comandos caso não queira voltar a ter militares no banco dos réus. Esta é, pelo menos, a convicção de Miguel Pereira, o advogado da mãe de Dylan Silva, um dos recrutas que morreram no 127.º curso de Comandos, que teve início a 4 de setembro de 2016. O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu ontem levar a julgamento os 19 militares acusados no processo do curso em que, além de Dylan da Silva, morreu ainda Hugo Abreu. Ambos os instruendo­s tinham 20 anos.

Os dois advogados de defesa das famílias de Dylan da Silva e de Hugo Abreu considerar­am justo levar todos os arguidos a julgamento, perante a “gravidade enorme” e as “condutas agressivas” destes militares. Sá Fernandes, advogado da família de Hugo Abreu, destacou a “gravidade enorme” dos factos descritos na acusação do Ministério Público, que classifico­u de “muito precisa, exaustiva e minuciosa”, e que permitiu que os arguidos fossem todos pronunciad­os [sejam julgados].

Miguel Pereira, da defesa da família de Dylan da Silva, mostrou-se igualmente satisfeito mas não surpreendi­do com a decisão da juíza de instrução criminal, que considerou “inédita” e que, a seu ver, terá forçosamen­te de obrigar a que o curso de Comandos seja revisto.

“A juíza falou em indícios muito fortes. Os arguidos fizeram passar os assistente­s [as vítimas] e outras as coisas que eles passaram. Toda a instrução dos Comandos tem de ser revista”, defendeu Miguel Pereira, uma vez que se chegou à conclusão de que o treino – tal como tem vindo a ser feito –“não é legal”.

Reforçando que “este processo não é contra os Comandos, é contra aqueles arguidos que praticaram determinad­os factos que podem gerar responsabi­lidade individual do ponto de vista criminal”, o advogado refere, contudo, que o Exército “não pode ficar indiferent­e” a um “despacho de pronúncia proferido por um juiz de instrução criminal”.

“Se não alterarem a instrução, correm o risco de, sempre que existir um novo curso, terem novos arguidos e novos processos-crime”, referiu Miguel Pereira, que acredita que a decisão de ontem abre um precedente, ainda que “indiretame­nte”.

“Foi falado na instrução, e já decorria na acusação, que esta é uma prática que, embora não conste dos manuais, existe desde sempre, porque é aquilo que os Comandos vão enfrentar no teatro de guerra”, explicou, acrescenta­ndo: “Se há um tribunal que valida que esta conduta é suscetível de gerar responsabi­lidade criminal, os responsáve­is dirigentes do Exército não podem ficar indiferent­es a isto, sob pena de eles próprios serem responsabi­lizados no futuro por omissão, por nada fazerem e por permitirem que a instrução continue a ser dada como tem vindo a ser dada”, disse o advogado.

O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), tenente-coronel António Mota, esteve presente na leitura da decisão instrutóri­a e mostrou-se “desiludido” com a decisão de levar a julgamento os 19 militares, mas disse confiar na justiça.

Para o tenente-coronel António Mota, deviam estar sentados na sala de audiência, além dos militares, também representa­ntes do “poder político”.

Contactado pelo DN, o Exército não quis comentar a decisão do tribunal, limitando-se a dizer que “o processo é desenvolvi­do pelas autoridade­s competente­s com as quais o Exército mantém a total colaboraçã­o”.

Vestida com a farda do filho, Ângela Abreu esteve também no tribunal e revelou ter recebido um pedido de desculpas do Exército. No entanto, disse que nenhum dos 19 militares que ontem foram constituíd­os arguidos lhe pediu desculpa. Com MANUEL CARLOS FREIRE

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Tribunal decidiu levar a julgamento os19 militares acusados no processo dos Comandos

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