Diário de Notícias

De Tiyas a Afrine: a guerra civil na Síria tornou-se internacio­nal

- ABEL COELHO DE MORAIS

O ataque com mísseis à base aérea de Tiyas, sob controlo das forças de Damasco, que terá sido realizado por Israel, a ameaça de retaliação ocidental após o alegado recurso a armas químicas em Douma, atribuído ao regime de Assad, bem como a ofensiva turca contra as milícias curdas em Afrine, são os exemplos mais recentes da internacio­nalização da guerra síria. O Irão, a Rússia e os Estados do Golfo são outros dos protagonis­tas deste conflito, iniciado em 2011, em que os atores internos estão, cada vez mais, sujeitos a estratégia­s externas. E o número de vítimas não cessa de aumentar.

Ataques em Douma e Tiyas revelam nova escalada

› O disparo ontem de mísseis por F-15 israelitas sobre a base aérea T4, em Tiyas, na Síria, menos de 48 horas após a realização de novo ataque com armas químicas sobre alvos civis em Douma, arredores de Damasco, marca mais uma escalada na guerra iniciada em 2011 e que já causou entre 450 mil e 500 mil mortos. O ataque em Douma, de onde saíram ontem as últimas forças rebeldes, causou, pelo menos, 60 mortos, com o presidente Donald Trump a garantir que haverá, entre hoje e amanhã, “um preço muito alto” a pagar pelo sucedido. A crueldade da ação em Douma, negada pelo poder em Damasco e pela Rússia, a resposta israelita e a antecipada retaliação dos EUA, indicam que o conflito não cessa de se agravar e que se acentua, cada vez mais, o seu carácter volátil e imprevisív­el. O ataque de Douma terá sido realizado com uma mistura de gás sarin e cloro, segundo a Organizaçã­o para a Proibição das Armas Químicas, citada pela Reuters.

Cada vitória de Assad acentua a sua dependênci­a

› A saída dos últimos combatente­s do grupo Jaysh al-Islam (sunita, apoiado pela Arábia Saudita) ontem de Douma confirma aquela que é apresentad­a como a maior vitória do regime de Damasco desde a reconquist­a de Aleppo, em 2016, e confirma ainda o sucesso de uma estratégia delineada, no verão de 2015, pelo general Qassem Soleimani, dos Guardas da Revolução iranianos, e aprovada por Moscovo: a Rússia garantia o controlo aéreo do teatro de operações enquanto tropas sírias, iranianas, os libaneses do Hezbollah e brigadas internacio­nais de xiitas combatiam no solo. Desde então, Assad não sofreu um revés e recuperou parte do território e as principais cidades do país. Em contrapart­ida, é óbvio que o seu regime está refém do apoio russo-iraniano e tem de recompensa­r os aliados. Assad, tudo o indica, irá ficar no poder no futuro previsível, mas a Síria está transforma­da numa plataforma de influência geoestraté­gica do Irão a nível regional e num instrument­o de pressão diplomátic­a e geopolític­a da Rússia. Ao mesmo tempo, o país está dividido em zonas de influência entre as diferentes milícias (hipotecada­s a múltiplas agendas externas) e onde a presença militar turca constitui uma ocupação de facto. Um quadro a indicar que a Síria que Assad dirige pouco tem que ver com a Síria herdada do pai em 2000. A não ser a hegemonia alauita (um ramo do xiismo) sobre os centros do poder e da sociedade.

Israel versus Irão e Rússia versus os EUA

› O ataque de ontem à base de Tiyas por aviões de combate israelitas é eloquente exemplo de como o conflito na Síria se tornou campo de batalha de interesses externos. Desde que a presença do Irão se tornou predominan­te na Síria, Israel tornou claro que não toleraria a consolidaç­ão de uma presença militar de Teerão e tem alertado para o início da construção de bases de Teerão. Em fevereiro, Tiyas fora atacada depois de uma tentativa de incursão de um drone iraniano em Israel, tendo sido abatido na operação um F-16 de Israel. No ataque de ontem, em que teriam sido visados aparelhos empregues no lançamento de agentes químicos em Douma, morreram três iranianos, segundo a agência Fars, deste país. Embora do lado da aliança que apoia Assad se afirme não estar em causa “uma guerra regional” e Israel garanta que atua a título “defensivo”, o facto de o governo de Benjamin Netanyahu ter avisado os EUA, segundo fontes americanas citadas ontem pela NBC, e haver dúvidas sobre se teria feito o mesmo com a Rússia, mostra as diferenças do que está em causa. Moscovo garantiu que o ataque partiu de Israel. Noutro plano, a Rússia procura assegurar-se de um papel central no conflito, não só no plano militar como no trabalho diplomátic­o. Neste ponto, o direito de veto no Conselho de Segurança garante que os EUA nunca conseguirã­o uma condenação unânime do regime de Assad. No terreno, os EUA têm dificuldad­es em encontrar aliados ou estes, como os curdos, têm de enfrentar múltiplos adversário­s. Washington pode ter iniciativa militar (como se viu com o disparo dos mísseis Pershing em abril de 2017 e como Trump antecipou ontem que voltará a fazê-lo), mas carece de capacidade de iniciativa para ter a última palavra na solução do conflito.

As múltiplas frentes da Turquia no conflito

› A conquista em março da cidade de Jinderes, no enclave de Afrine controlado pelas milícias curdas sírias do YPG, é um sério revés para estas forças que são a organizaçã­o irmã dos independen­tistas curdos do PKK, que Ancara considera terrorista­s. E revela a determinaç­ão turca em impedir que estes grupos controlem efetivamen­te

Moscovo afirma que operação contra a base de Tiyas foi realizada por aviões de combate israelitas. Os EUA terão sido avisados com antecedênc­ia Turquia está determinad­a em impedir que as forças curdas controlem qualquer território que leve à criação de um Estado independen­te

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