Com Lula a cumprir pena, PT arrisca fragmentação
A líder do partido, Gleisi Hoffmann, foi nomeada como porta-voz, mas correntes internas crescem. Ciro Gomes pode herdar hegemonia na esquerda e direita beneficiar
JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo As duas horas que antecederam o momento, no sábado à noite, em que Lula da Silva se dirigiu ao carro da polícia federal podem ser um barómetro do que vem aí no Partido dos Trabalhadores (PT): gritos, discussões e braços-de-ferro entre os que defendiam que Lula não saísse da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e os que queriam a entrega, sem resistência, às autoridades. A prisão de Lula, o líder espiritual do partido, arrisca dividir o PT em vários PT.
“O partido levou 22 anos para conseguir a hegemonia na esquerda e no centro-esquerda mas agora, com esse campo fragmentado, o centro-direita vai ganhar facilmente durante anos”, defendeu em entrevista ao El País Brasil o filósofo Marcos Nobre. “As esquerdas, particularmente o PT, terão de se reinventar”, acrescentou em artigo no jornal O Estado de S. Paulo Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política. “O PT envelheceu à sombra de Lula e não se soube renovar nem transitar para uma era pós-Lula”, prosseguiu.
Ontem mesmo, em Curitiba, por razões simbólicas, e não em São Paulo ou em Brasília, como de costume, a direção do partido reuniuse: Gleisi Hoffmann, por decisão de Lula, será a sua única porta-voz. Eleita no último Congresso Nacional, em junho de 2017, com 61% dos votos, a senadora enfrenta porém outras correntes do partido, nomeadamente a liderada pelo também senador Lindbergh Farias, que só não concorreu na altura a pedido de Lula. Hoffmann é tida como mais moderada; Lindbergh como mais radical à esquerda.
Era ele e o candidato pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) à presidência Guilherme Boulos que defendiam, com mais veemência, que Lula não se entregasse. Boulos, amigo de Lula mas, em tese, seu rival eleitoral, representa outro dilema no PT e nas esquerdas: deve esse campo unir-se em torno de uma só candidatura? E caso o faça, essa candidatura deverá ser liderada por um quadro do PT?
“Neste momento não nos parece que haja espaço para uma união entre os partidos”, disse Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que normalmente concorre coligado com o PT, também decidiu avançar com Manuela D’Ávila. Ela e Boulos estiveram lado a lado com Lula no ato de sábado mas “em apoio à democracia”, não ao PT.
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo que pode ser nomeado candidato pelo PT no lugar de Lula, tem entretanto carta-branca, dada pelo próprio antigo presidente, para começar a negociar acordos
Folha de S. Paulo.