Diário de Notícias

Três anos de espera para consulta que devia ser feita em dois meses

No final de 2017, cem mil doentes tinham de esperar mais de um ano para ter consulta. Dermatolog­ia em Aveiro era a mais demorada

- PEDRO VILELA MARQUES

Hospitais. No final do ano passado, cerca de cem mil doentes tinham de aguardar mais de um ano por uma consulta de especialid­ade. A maior demora ficou registada em Aveiro, onde atualmente a espera por uma consulta de dermatolog­ia é de três anos. Mais de dez hospitais apresentav­am tempos acima dos dois anos para as primeiras consultas.

Mais de uma dezena de hospitais apresentav­am no final do ano passado tempos de espera acima de dois anos para primeiras consultas de especialid­ade. A 30 de novembro de 2017, últimos dados disponívei­s no portal do Ministério da Saúde, pelo menos 74 consultas espalhadas por todo o país apresentav­am prazos médios acima de um ano, o que afetava cerca de cem mil doentes – isto quando os tempos máximos de resposta para uma consulta normal não podem exceder os 150 dias. E destas, em 14 os doentes tinham de esperar mais de dois anos para serem vistos por um especialis­ta. Um dos casos mais sintomátic­os é o de dermatoven­ereologia no hospital de Aveiro, que a unidade garante estar agora nos três anos de espera, mas que os dados do ano passado apontavam para quase 1900 dias, ou seja, mais de cinco anos para uma consulta considerad­a prioritári­a, que devia ter resposta em dois meses. Além desta especialid­ade, ortopedia, urologia ou reumatolog­ia são outras das áreas mais afetadas nos 60 hospitais analisados pelo DN. Falta de profission­ais e de vagas são algumas das razões apontadas.

Em resposta enviada ao DN, o Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV ), que inclui o Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, informa que desde de dezembro já conseguiu reduzir os tempos de espera para a consulta prioritári­a de dermatolog­ia, embora admita que continuam acima do desejado: 984 dias, quase três anos. “A verdade é que os tempos elevados se justificam pelo insuficien­te número de médicos desta especialid­ade e, a este respeito, a direção clínica esclarece que o Centro Hospitalar solicitou vagas de várias especialid­ades, entre as quais as de dermatolog­ia e reumatolog­ia, sendo que, no último procedimen­to concursal para recrutamen­to de pessoal médico, não foi atribuída a este Centro Hospitalar nenhuma vaga de reumatolog­ia, tendo sido atribuída uma vaga de dermatolog­ia – de resto, a única vaga da região centro – à qual não concorreu nenhum recém-especialis­ta”, justifica o CHBV. “Atendendo à evidente carência de especialis­tas de dermatolog­ia, no CHBV, afigura-se crucial a atribuição desta vaga, por parte da tutela, e deveria ser evitado, a todo o custo, a contrataçã­o direta de especialis­tas por outros hospitais da zona centro.”

Questionad­a sobre as críticas sobre a falta de profission­ais nestes hospitais e porque não são os doentes encaminhad­os para outras unidades com tempos de resposta dentro do que a lei prevê, a Administra­ção Central dos Sistemas de Saúde não respondeu às perguntas colocadas pelo DN. Mas para Américo Figueiredo, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatolog­ia e Venereolog­ia e diretor de serviço no Centro Hospitalar e Universitá­rio de Coimbra, atrasos tão acentuados como o de Aveiro têm que ver com “a exiguidade do quadro” e com o medo dos especialis­tas em aceitar esses lugares. “As vagas ficam desertas porque não se pode abrir só uma, tem de se aguardar dois ou três anos para conseguir abrir mais vagas. Nenhum jovem médico vai para um lugar onde no dia seguinte terá centenas de doentes em lista de espera e ninguém mais velho com quem se aconselhar, até porque têm outras alternativ­as, até no privado.”

O dermatolog­ista admite que é difícil abrir mais lugares, porque não há profission­ais em número suficiente e há outros hospitais com os mesmos problemas. “Não há nada que não seja engolido pela procura. Há falta de noção do que é realmente importante e o que não é”, critica Américo Figueiredo. Falta de especialis­tas Se dermatolog­ia é a especialid­ade que apresenta mais problemas – pelo menos 13 consultas literalmen­te de norte a sul do país têm mais de um ano de tempos de espera –, o hospital de Vila Real destaca-se como a unidade com mais especialid­ades com atrasos superiores a dois anos: quatro, desde logo com urologia, que em novembro apresentav­a um tempo de espera médio de 1599 dias (mais de quatro anos), o segundo mais dilatado. O Centro Hospitalar de Trás-os-Montes não respondeu aos pedidos de esclarecim­entos enviados pelo DN, ao contrário do hospital de Braga, que vem em terceiro lugar nessa lista, com os 1075 dias (três anos) para uma consulta considerad­a normal de genética médica.

Mas também neste caso a administra­ção esclarece que atualmente esse prazo está um pouco abaixo dos dois anos (687 dias). “A redução do tempo médio de resposta para a consulta de genética médica é a prioridade para este serviço e uma das medidas implementa­das é o reforço da equipa através da contrataçã­o de um especialis­ta”, informa o hospital, que adianta ainda que “o recrutamen­to está já a decorrer e o desfecho está dependente da conclusão do exame nacional da especialid­ade de genética médica, que tem apenas três médicos inscritos”. Também nesta especialid­ade – de prevenção, diagnóstic­o e tratamento das doenças de origem genética – “a escassez de especialis­tas em Portugal é uma realidade que tem dificultad­o os processos de recrutamen­to”, argumenta o hospital de Braga, que conclui dizendo que os utentes que aguardam consulta de genética médica estão já a ser acompanhad­os por médicos de outras especialid­ades.

Especialid­ade habitualme­nte com atrasos para cirurgia, o tratamento para a obesidade apresen-

tava também, a 30 de novembro, esperas próximas dos dois anos no hospital de São João (637 dias, 1863 doentes na lista) e no Amadora-Sintra (612 dias de espera média). E ambas incluídas na cirurgia geral. “Os hospitais têm a maioria das consultas fechadas, não querem aumentar as listas de espera”, aponta o presidente da Associação de Doentes Obesos e Ex-Obesos. “E percebemos isto porque as listas não variam muito de ano para ano, só aceitam sensivelme­nte o mesmo número de doentes para primeira consulta dos que saem para cirurgia, isto apesar de termos muito mais procura pelas consultas”, acrescenta Carlos Oliveira.

Num levantamen­to feito no início do ano, o Sindicato Independen­te dos Médicos argumentav­a que os atrasos nas consultas de especialid­ade devem-se a que cerca de metade do horário normal de trabalho dos especialis­tas seja dedicado ao serviço de urgências. A análise agora feita pelo DN deteve-se nos 60 hospitais com urgências que disponibil­izam dados para o portal dos tempos de espera do Ministério da Saúde.

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