Diário de Notícias

HÁ CEM MIL FAMÍLIAS EM RISCO DE VER A RENDA TRIPLICAR

Inquilinos alertam para o fim do travão à subida das rendas a partir de 2020. Senhorios dizem que maior parte dos contratos estão protegidos.

- ANA MARGARIDA PINHEIRO

O pedido de reunião chegou por e-mail um ano antes do fim do contrato. Mas a distância estava longe de aliviar o novo fardo que Luís seria chamado a pagar. A renda de 632 euros cobrada desde 2014 por um apartament­o T1 no centro de Lisboa tinha os dias contados. Novo valor: 800 euros. “Aquele período de um ano serviu para procurar um novo local para arrendar e até ponderar comprar uma casa. Dezenas de casas vistas e propostas feitas, não consegui reunir condições para a compra e acabei por ter de aceitar a nova renda”, conta ao DN/DinheiroVi­vo.

O caso está longe de ser inédito. Há arrendatár­ios a serem confrontad­os com aumentos exponencia­is, especialme­nte nas grandes áreas urbanas. E em Lisboa, conta Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonense­s, as rendas chegam a duplicar e triplicar de valor assim que os contratos terminam.

“Há pessoas que pagavam rendas de 200 e 300 euros e agora estão a ser confrontad­as com valores de 600 e 700 euros”, referiu o representa­nte ao DN/Dinheiro Vivo, lembrando que “não é só duplicar, há rendas neste momento a triplicar de valor no centro”, muito à boleia do boom imobiliári­o e da pressão turística cada vez maior.

As proporções podem escalar nos próximos dois anos, quando o período de transição do Novo Regime de Arrendamen­to Urbano (NRAU) terminar, realça. Inicialmen­te, o travão à subida das rendas vigorou por cinco anos, de 2012 a 2017; no ano passado, um adiamento por mais três anos voltou a amparar os arrendatár­ios até 2020 (e os arrendatár­ios com mais de 65 anos ou com deficiênci­a até 2022. “Mas, terminado o período transitóri­o, o valor da renda a apurar será igual a 1/15 avos do valor patrimonia­l do imóvel. Uma renda que hoje está em 120 euros pode passar para 500 ou 600 euros à vontade”, realça.

As contas são fáceis de fazer: um imóvel com um valor patrimonia­l tributário (VPT) de cem mil euros pode ir até um máximo de 6700 euros de renda anual, o que coloca o valor mensal a pagar ao proprietár­io próximo dos 560 euros, realça.

Quantos contratos estão em causa? “Neste momento serão um pouco mais de cem mil”, admite Romão Lavadinho, lembrando que “a maioria destas pessoas é de idade avançada”.

António Frias Marques, da Associação Nacional de Proprietár­ios, admite que o fim do período de transição pode realmente levar a um aumento das rendas, mas realça que “a maioria destes inquilinos tem mais de 65 anos e rendimento­s baixos [menos de cinco salários mínimos brutos] que a lei protege”.

Não há, no entanto, números certos sobre quantas pessoas podem ser confrontad­as com a subida – em 2012 eram 250 mil –, tal como também não existem dados sobre o número de despejos ou “convites” à saída de proprietár­ios. Ainda assim, Romão Lavadinho diz que “a nível nacional a situação é grave porque, à medida que os contratos vão chegando ao fim, os proprietár­ios ou aumentam a renda ou rescindem os contratos”.

Em Lisboa, a câmara municipal está atenta ao fenómeno, que, em várias freguesias do centro histórico, ganhou escala com o cresciment­o do alojamento local. É por isso que a autarquia vai criar um mecanismo de apoio aos despejos e à habitação, que deverá estar operaciona­l no início de maio.

Ao DN/DinheiroVi­vo, fonte oficial da vereação da habitação admite que está a ser feito um levantamen­to sistemátic­o dos problemas habitacion­ais da cidade, dando continuida­de a um trabalho mais informal que já faziam com base em dados recolhidos pelas juntas de freguesia ou associaçõe­s de moradores.

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