Diário de Notícias

Lula da Silva está a dar força à direita?

- PEDRO TADEU JORNALISTA

Éverdade que Lula da Silva, o operário que chegou a presidente da República Federativa do Brasil, foi o líder do país que mais empregos criou: 11, 2 milhões, segundo dados oficiais relativos aos anos de 2003 a 2010.

É verdade que Lula da Silva, o resistente à ditadura militar brasileira, tirou milhões de pessoas da pobreza e conseguiu proporcion­ar a outros tantos milhões o acesso à educação e à saúde.

É verdade que Lula da Silva, o condenado que lidera as sondagens para as próximas presidenci­ais brasileira­s, pode orgulhar-se, sem faltar à verdade, de ter feito diminuir a taxa de mortalidad­e infantil do país.

É verdade que Lula da Silva, o homem de quem os economista­s de cátedra duvidavam, conseguiu registar no seu currículo a maior expansão económica do Brasil nas últimas três décadas.

É verdade que com Lula da Silva 48 milhões de brasileiro­s viram o salário mínimo que recebiam ser substancia­lmente aumentado. É verdade que quando saiu do Palácio do Planalto a dívida do país descera para 60% do PIB (menos de metade da portuguesa). É verdade que esse produto interno bruto do Brasil passou de 1,3 biliões de dólares para quase 1,9. É verdade que as taxas de juro de referência desceram de um valor a rondar os 20% para cerca de 7% e que a inflação se manteve em valores suportávei­s.

Todas aquelas verdades, por muito meritórias que sejam, podem desculpar um presidente da república corrupto? Não. O problema, porém, é este: a verdade sobre a alegada corrupção de Lula da Silva, ao contrário de todas as verdades precedente­s, não é uma absoluta certeza.

Evito sempre nestes textos que o Diário de Notícias aceita para publicação tecer consideraç­ões sobre a vida política de países que Portugal colonizou: por muito esforço que se faça, um português a lavrar sentenças sobre decisões soberanas das instituiçõ­es que governam o Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor ou qualquer outra ex-colónia é sempre criticável.

Um português que pretende “ensinar” brasileiro­s, angolanos, moçambican­os, cabo-verdianos, timorenses ou outros falantes de português a governarem-se não tem como fugir à acusação de paternalis­mo, pois o seu discurso, vindo de um país que foi explorador, está infetado pela bactéria sobreviven­te numa ferida centenária, apenas quase cicatrizad­a no corpo do país explorado... Arrisco.

Leio afirmações de muitos brasileiro­s, de muita gente bem informada, ponderada e lúcida, a não acreditare­m ser verdade que Lula da Silva seja corrupto, mesmo depois de a justiça ter obtido a sua condenação e, neste fim de semana, a sua prisão. Até Chico Buarque, o esquerdist­a mais sensato e equilibrad­o que se conhece, esteve na semana passada numa manifestaç­ão de apoio a Lula!

Não sei se Lula é culpado ou inocente e é minha obrigação acreditar que as instituiçõ­es brasileira­s, enquanto se mantiverem democrátic­as e livres, acabarão por encontrar um fim justo e esclareced­or para este drama.

Sei, porém, que a grande corrupção é sempre ideológica: o corruptor, seja um banqueiro, um empresário, um estadista manipulado­r de bens públicos, um chefe de uma máfia de crime, está sempre a usar capital a que teve acesso, bem ou mal, para conseguir obter, ilegitimam­ente, um novo acesso, por via direta ou indireta, a ainda mais capital.

A grande corrupção é sempre um processo que, mesmo enviesadam­ente, acaba por tirar mais aos pobres e aos remediados para, no final do processo, dar ainda mais aos já mais ricos. A grande corrupção é intrinseca­mente classista.

Lula é de esquerda e pode ter sido corrompido, não sei. Sei, no entanto, que o presumível corruptor de Lula serve os interesses da direita, como sempre acontece nos casos de grande corrupção.

Por exemplo: não é certamente por acaso que a Petrobras, a empresa que tinha o monopólio da exploração das fontes de energia brasileira­s, passou a leiloar a privados estrangeir­os, com a esquerda fora do poder, vários blocos de exploração de petróleo e gás natural. Não é certamente por acaso que os royalties vindos da energia, canalizado­s pelo Estado diretament­e para a educação pública e para a saúde, estão a ser postos em causa, ou que muitas medidas que resultaram no êxito económico da era de Lula estão a ser desmantela­das: grande parte da batalha jurídica foi aproveitad­a pela direita e pelo grande capital para concretiza­r estas operações.

O Brasil é vítima de um sistema político em que o mensalão, usado à esquerda e à direita, “normalizou” uma prática política corrompida, tal como fizeram em Portugal as “comissões” pagas pela concretiza­ção de vários negócios públicos. A justiça, nos dois países, faz muito bem em revelar tudo isso, mas, no final, a sociedade tem de garantir a boa saúde da sua democracia, política e económica – e isso, no Brasil e em Portugal, não está claramente assegurado.

A grande corrupção é sempre um processo que, mesmo enviesadam­ente, acaba por tirar mais aos pobres e aos remediados para, no final do processo, dar ainda mais aos já mais ricos. A grande corrupção é intrinseca­mente classista

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