Diário de Notícias

Sou ateu e quero uma Igreja forte

- JOÃO PEDRO HENRIQUES JORNALISTA

AIgreja que quero forte é a maioritári­a no meu país: a Igreja Católica Apostólica Romana. Sou ateu, não acredito na existência de um Deus (ou vários), acredito na autonomia do homem, na natureza, no conhecimen­to científico e que o que sobra quando morremos é pó e a memória que os outros guardarão de nós. Mas, mesmo sabendo que Deus não existe, sei também outra coisa: a Igreja existe. E, mesmo assente naquilo que eu simpaticam­ente posso admitir como um grande equívoco, é melhor que continue a existir – e forte. Forte para os nus e para os esfaimados do mundo, para os excluídos e para os que não têm outro remédio. Mal ou bem, para estes. Caridadezi­nha ou humanismo grande – que salve pessoas, é o que interessa.

Vêm aí decisões sobre a despenaliz­ação da eutanásia, no Parlamento. Afirmo-me desde já favorável. Admito o direito de alguém em dor e sofrimento, lúcida e plenamente informado, por decisão rigorosame­nte própria, perante uma doença clinicamen­te incurável, ter direito a que alguém de forma voluntária e medicament­e competente lhe ponha fim à vida. Acontece que não tenho certezas sobre isto – e duvido que alguém verdadeira­mente possa ter. Há nas circunstân­cias de alguém que pede morte assistida mil e uma razões que me podem levar a ter dúvidas. E nenhuma lei as poderá prever todas, para lá de qualquer dúvida.

Regresso à Igreja Católica Apostólica Romana. Que saiba, estabelece­u desde o topo – começando pelo Papa Francisco – que esta é uma linha vermelha que não admite ultrapassa­r. Recusa em absoluto a possibilid­ade da morte assistida. Advoga que se prolongue a vida paliativam­ente para lá da vontade do doente querer morrer (porque não lhe admite a possibilid­ade de decidir sobre a sua vida). Dizendo (como disse a Conferênci­a Episcopal portuguesa, numa nota pastoral de março de 2016), algo que, mesmo dentro das minhas convicções pró-eutanásia, me parece igualmente evidente: “Nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido de eutanásia é verdadeira­mente livre, inequívoco e irreversív­el.”

“Irreversív­el” é a palavra-chave. Pode a alguém em dor e sofrimento ser dado o direito de uma decisão irreversív­el sobre a sua própria vida? Será a lucidez possível nesta circunstân­cia?

A Igreja Católica Apostólica Romana portuguesa que quero forte (e de que gosto) é uma igreja social, que trabalha para os excluídos – uma igreja concretame­nte útil à comunidade. Mas para afirmar a sua força e a sua eficácia neste campo precisa de causas que lhe afirmem uma identidade própria sobre a totalidade das questões da sociedade. Ou isso ou não será mais do que uma grande IPSS.

Dito de outra forma: era preferível que o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, pudesse não se perder com tiros nos pés como a polémica (desumana) dos “recasados”, começando a falar claramente contra a eutanásia e orquestran­do todas as suas forças nesta batalha. Porque faz a sua organizaçã­o mais forte e porque há muita gente aberta a ouvir as dúvidas que inteligent­emente lhes pode colocar. Sou só um – mas sei que há mais.

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