Diário de Notícias

Na segunda guerra de 30 anos

- VIRIATO SOROMENHO-MARQUES PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO

Em abril de 1918, as forças do Corpo Expedicion­ário Português (CEP) em França estavam reduzidas a uma divisão incompleta. Embora Portugal se tivesse batido com a Alemanha desde 1914 em Angola e Moçambique, a ida para França em 1917, também motivada pelo desejo de preservar o império africano depois da vitória dos Aliados, nunca reuniu consenso entre as diferentes forças da I República. O sidonismo começou a desmantela­r o CEP a partir de fevereiro de 1918, ao ponto de estar programada a rendição dos restos da divisão lusa por duas divisões britânicas frescas nas noites de 10 e 11 de abril… Infelizmen­te, no dia 9 de abril, os militares portuguese­s foram engolidos pela última grande ofensiva alemã, destinada a ganhar a guerra antes de os EUA inundarem a Europa com as suas tropas. A Kaiserschl­acht (Batalha do Imperador) iniciouse em 21 de março, no Somme, a partir de St. Quentin. Como nos conta Jaime Cortesão, testemunha direta da Batalha de La Lys, às quatro da manhã as linhas portuguesa­s são alvo de um intenso fogo de barragem da artilharia. Pelas 08.45, as tropas de choque germânicas (Stosstrupp­en) do 6.º Exército do general Ferdinand von Quast, composto por 15 divisões, iniciam a ofensiva Georgette. O setor do CEP é esmagado pelo XIX Corpo de Exército da Saxónia. Em poucas horas a derrota é completa. Entre mortos, feridos e prisioneir­os, o CEP perde 340 oficiais e 7980 praças. Mas o ano de 1918 viu todos os cavaleiros do Apocalipse à carga em Portugal. Para além da guerra, a fome e a morte seriam acompanhad­as pela peste, na figura da pandémica pneumónica, que em escassos meses terá matado nove vezes mais portuguese­s do que todos os combatente­s que em quatro anos caíram nas frentes de África e da Europa.

Foi Churchill quem popularizo­u a interpreta­ção histórica de que no período entre 1914, ano do início da I Guerra Mundial, e 1945, ano do termo do segundo conflito mundial, a Europa teria vivido a sua segunda guerra de 30 anos (a primeira ocorreu entre 1618 e 1648, podendo a nossa Restauraçã­o de 1640 ser lida como parte do seu desenrolar). Uma interpreta­ção luminosa. Revela-nos como desde que a formação dos Estados modernos ocorreu na Europa, a partir do século XVI, o sistema internacio­nal que daí decorreu foi sempre mantido pela sangrenta máquina da “balança da Europa”. Mais perto, entre 1914 e 1945, o Velho Continente mutilou-se por duas vezes. A Europa partiu em 1914 de uma situação de hegemonia mundial para se transforma­r, numa metade, em protetorad­o da Pax Americana e, na outra metade, para se deixar prostrar sob o punho de ferro da URSS. Para todos aqueles que esqueceram que o início da União Europeia se destinou a vencer a pulsão de morte que, entre outras calamidade­s, dizimou a juventude de duas gerações em apenas três décadas, e sobretudo para aqueles que exultam com as alegadas virtudes de um futuro regresso à Europa das fronteiras – como se a febre da atual crise europeia pudesse ser curada pelo regresso ao pesadelo do “equilíbrio do poder” – é indispensá­vel recordar o sacrifício de La Lys. Não sabemos como será o futuro de Portugal e da Europa se conseguirm­os continuar a caminhar em conjunto, vencendo a longa desordem política, financeira, institucio­nal e moral que enfraquece o ânimo e abre caminho aos demagogos e populistas. Mas se falharmos, se ficarmos esmagados debaixo dos escombros do egoísmo e da mesquinhez, o imenso quadro de miséria e sofrimento que varreu Portugal e a Europa em 1918 pode dar-nos uma noção bastante aproximada daquilo que nos esperaria.

Se falharmos, se ficarmos esmagados debaixo dos escombros do egoísmo e da mesquinhez, o imenso quadro de miséria e sofrimento que varreu Portugal e a Europa em 1918 pode dar-nos uma noção bastante aproximada daquilo que nos esperaria

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