Para acabar com o currículo falso
André Comte-Sponville é um filósofo daqueles que nos ajudam a ler o mundo tal qual este vem nos jornais. Ele aparece regularmente nas televisões francesas e eu arriscava-me a dizer que em Portugal este aluno de Louis Althusser é pouco conhecido – mas que sei eu de filosofia e das suas modas entre nós? Costumo cruzar-me com Comte-Sponville nos locais ligeirinhos – jornais e revistas generalistas – o suficiente para invejar sábios que não desdenham explicar-me o noticiário. Há dias, na revista Marianne,falando de ensino e de educação, o filósofo fez um voo rasante, que num salto esforçado consegui alcançar. Falava ele dos jardins de infância com o seu primado de jardim, antes de serem escola. Depois, alertou: em algum lugar, antes das universidades, o aluno deveria fazer esforços. Se a criança não gosta de matemática, é preciso que a faça; se não aprecia inglês, precisa de o aprender... André Comte-Sponville era adepto dessa pedagogia de mais esforço e menos espontaneidade. E, mesmo quando disse quanto apreciava a declamação de coisas belas como as fábulas de La Fontaine, acrescentou ser necessário empinar os tempos verbais mais arrevesados. Enfim, ele lançou esta fórmula:“Não é substituir o esforço pelo prazer, mas ajudar as crianças a ter prazer com o esforço.” Era o que eu vos estava a dizer: é tão bom numa revistinha despretensiosa, daquelas com frases em coluna, fotos com legenda e assuntos de mercearia comum, eu ver iluminada a solução para um dos espantos do nosso quotidiano! Andamos há anos a ser assombrados com políticos apanhados por mais um escândalo de cursos da treta e de farinha Amparo e, afinal, a explicação tem-na o filósofo: são só crianças que não aprenderam o prazer do esforço.