Diário de Notícias

SÍRIA SÓ UM GRANDE ATAQUE AMERICANO PODE TRAVAR VITÓRIA DE ASSAD

Ataques terão, muito provavelme­nte, como alvos instalaçõe­s de armas químicas e centros de comando do regime. Operação deve envolver americanos e aliados internacio­nais

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ABEL COELHO DE MORAIS No dia em que as forças de Bashar al-Assad retomaram o controlo de Douma, o último enclave ocupado pela oposição nos arredores da capital síria, especulava-se sobre a forma que iria assumir a retaliação anunciada pelo presidente Donald Trump em resposta ao ataque com armas químicas no passado fim de semana, que causou 60 mortos e cerca de mil feridos, precisamen­te na cidade agora recuperada pelo regime de Damasco. Numa tentativa de evitar um ataque americano às suas forças, o regime sírio convidou inspetores da Organizaçã­o para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês) a visitar Douma e determinar a natureza das substância­s envolvidas.

Num primeiro comentário ao ataque, a OPCW referiu a possibilid­ade, com base nas informaçõe­s prestadas pelos grupos rebeldes, de ter sido usada uma mistura de gás sarin e cloro. O representa­nte da Rússia nas Nações Unidas, Vassily Nebenzia, anunciou a intenção de apresentar uma resolução no Conselho de Segurança da organizaçã­o a propor o envio de uma missão da OPWC à Síria. O que estava a ser considerad­o por Estados Unidos, França e Grã-Bretanha uma manobra dilatória de Moscovo para evitar a punição do regime Assad – que poderia estar por horas, ontem ao final do dia. Por seu lado, a OPWC confirmou ter tomado a iniciativa de pedir autorizaçã­o ao governo sírio para efetuar a deslocação. Nebenzia advertiu os EUA para “graves repercussõ­es”, caso fossem desencadea­das operações retaliatór­ias na Síria.

Durante a tarde, o presidente Trump falara com a primeira-ministra britânica, Theresa May, que antes deste contacto estivera ao telefone com Emmanuel Macron, presidente de França, tendo os três dirigentes acordado que os responsáve­is pelo ataque de Douma “têm de sofrer as consequênc­ias” da sua ação”, indicou um porta-voz de Downing Street após os contactos. Fontes oficiais em Washington,

Embaixador­a dos EUA na ONU acusou a Rússia de “ter as mãos cheias de sangue” de civis sírios, ao bloquear as resoluções do Conselho de Segurança Donald Trump cancelou viagem ao Peru, onde devia assistir à Cimeira das Américas, para seguir de perto o processo de decisão sobre a Síria Avião de combate russo sobrevoou fragata francesa no Mediterrân­eo

exprimindo-se sob anonimato, explicaram à Reuters que diferentes opções militares estavam em discussão, com os EUA a procurarem uma articulaçã­o com os aliados internacio­nais. Não foram dados detalhes, mas sugeria-se que a finalidade da retaliação seria desencoraj­ar, de uma vez por todas, o regime sírio de usar armas químicas.

Os alvos mais prováveis seriam os centros de comando e controlo que terão dirigido os ataques e unidades de apoio, considerav­a um especialis­ta em segurança internacio­nal, Benjamin Haddad, do Hudson Institute, num texto ontem publicado online na Foreign Policy. Outro alvo poderia ser a base de Dumayr, de onde teriam partido os helicópter­os envolvidos no ataque. A 6 de abril de 2017, em resposta a ataque semelhante, em Khan Shaykhum, os EUA dispararam 59 mísseis sobre a base de Shayrat, na província de Homs.

Aquelas hipóteses foram, de algum modo, confirmada­s ao final do dia por Emmanuel Macron que disse, a haver ataques, estes terão como alvo instalaçõe­s de armas químicas.

Por outro lado, a representa­nte dos EUA na ONU, Nikki Haley, numa reunião do Conselho de Segurança na noite de segunda-feira, recordou que há pouco mais de um ano mostrara fotografia­s de ataque semelhante ocorrido a 4 de abril de 2017 em Khan Shaykhun, na província de Idlib, e apontou para “as mãos cheias de sangue da Federação Russa” no conflito sírio. Moscovo vetou 11 resoluções a condenar o regime de Assad, lembrou Haley, que disse ainda ser indispensá­vel estabelece­r-se “um mecanismo imparcial para investigar os ataques”. Em 2013, a Rússia e os EUA assinaram um acordo em que o primeiro país se tornava garante de que o regime de Assad entregaria para destruição todas as armas e agentes químicos suscetívei­s de uso letal. Na época, foi estimado que possuiria mil toneladas de armas químicas. Em agosto daquele ano, o regime de Damasco efetuara um ataque químico em Ghouta Oriental, que causou mais de 1700 mortos, segundo fontes da oposição. Região que voltou agora a controlar.

Outro sinal da iminência de uma possível punição militar do regime de Assad foi dada pela notícia do cancelamen­to da viagem de Trump ao Peru, onde deveria participar, na sexta-feira, na Cimeira das Américas, deslocando-se em seguida à Colômbia. Trump será substituíd­o pelo vice-presidente Mike Pence.

Um terceiro sinal veio do ministro dos Negócios Estrangeir­os saudita, Adel al-Jubeir, que falava em Paris no quadro da visita que o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman concluiu ontem a França, e antes de Macron proferir a declaração acima citada. “Não vou especular sobre o que pode ou não suceder. O que posso dizer é que estão a ser avaliadas as opções disponívei­s nesta questão”, disse o ministro saudita, que sublinhou estar Riade em total sintonia com Washington, Paris e Londres, antecipand­o o cenário de uma presença saudita nas operações a realizar.

Embora seja percetível que os principais poderes envolvidos no conflito procuram, de alguma forma, não abrir caminho a uma escalada de tensões de consequênc­ias imprevisív­eis, os sinais de tensão continuam a multiplica­r-se. Ontem soube-se que, no fim de semana, um avião de combate russo sobrevoou a baixa altitude a fragata francesa Aquitaine, em patrulha no Mediterrân­eo, ao lardo do Líbano, numa violação das regras internacio­nais. A notícia, inicialmen­te divulgada pela edição online da revista Le Point, referia ainda que o aparelho voava com armamento completo.

Este caso confirma que a guerra na Síria é, de forma crescente, um conflito em que as grandes potências estão envolvidas e os poderes regionais estão a enfrentar-se de forma aberta. Caso de Israel e do Irão, o principal apoio do regime de Assad no terreno.

À medida que a guerra prossegue e a consolidaç­ão do poder de Assad depende de forma clara da presença das forças de Teerão e dos seus aliados, como o Hezbollah libanês, Israel vê com crescente preocupaçã­o o reforço da presença militar iraniana na Síria, país com o qual tem fronteira comum. Assim, a determinaç­ão em impedir que isto suceda.

A consolidaç­ão da presença militar iraniana, mais as forças do Hezbollah (com o qual Israel já travou uma guerra em 2006, que terminou num relativo impasse) e os combatente­s xiitas de várias partes do mundo, cria uma nova e potencial ameaça para as Forças Armadas israelitas. O que Israel já mostrou que não toleraria enquanto o Irão garantiu que o ataque à base de Tiyas “não ficará sem resposta”.

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