Diário de Notícias

Zuckerberg criou um monstro que nunca quis controlar

SENADO CEO do Facebook interrogad­o durante cerca de dez horas sobre proteção da privacidad­e. Voltou a pedir desculpas

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ANA RITA GUERRA, Los Angeles De olheiras marcadas e um fato azul, coisa rara no CEO que sempre aparece de T-shirt cinza, Mark Zuckerberg esboçou um leve sorriso quando o congressis­ta Billy Long do Missouri lhe perguntou o que era o FaceMash e se ainda estava ativo. “Não, o FaceMash foi um site de brincadeir­a que lancei quando estava na universida­de, antes de fundar o Facebook”, respondeu. Zuckerberg sorriu, mas a referência ao FaceMash foi um embaraço que queria ter evitado. O site construído em 2003 permitia comparar fotos de colegas de Harvard e dizer quem era mais atraente. Tornou-se viral e motivou o primeiro de muitos momentos semelhante­s que se seguiriam na vida do empresário: um pedido de desculpas e a promessa de não voltar a cometer o mesmo erro.

As dez horas de interrogat­ório a que foi sujeito nos últimos dias mostraram um Zuckerberg contrito e humilde. Falou de forma calma, respeitado­ra, dizendo-se consciente dos erros que foram cometidos e empenhado em melhorar o desempenho do Facebook na proteção da privacidad­e dos seus utilizador­es. Mas esta não foi a primeira campanha de contrição de Zuckerberg.

Ao longo de 14 anos de Facebook, o cofundador e CEO foi repetidame­nte obrigado a pedir desculpas por erros cometidos na plataforma que puseram em causa a privacidad­e dos utilizador­es. No final de 2007, teve de acudir à crise aberta pela introdução da tecnologia Beacon, que dizia aos amigos o que uma pessoa fazia noutros sites. Na primavera de 2010, assumiu o erro quando se descobriu que o Facebook dava aos anunciante­s meios de identifica­ção únicos de cada utilizador. Os exemplos repetiram-se. Em todas as vezes, Zuckerberg anunciou medidas a tomar no futuro.

As consequênc­ias para a empresa em todas estas crises foram simplesmen­te inexistent­es. O Facebook tornou-se um colosso com dois mil milhões de utilizador­es, detentor do Instagram,WhatsApp, Oculus e outras propriedad­es relevantes, financiado­r da produção de conteúdos, meio de pagamentos financeiro­s e um monstro de receitas e lucros. Cresceu desenfread­amente. Isto foi possível porque os utilizador­es continuara­m a usar a plataforma e os reguladore­s a permitir que o Facebook se autorregul­asse.

Zuckerberg nunca demonstrou arrependim­ento pela criação da plataforma e a introdução de novas funcionali­dades controvers­as. Durante muito tempo, recusou-se a aceitar a importânci­a da rede social na disseminaç­ão de conteúdos e como meio de consumo mediático. Diz que o Facebook é uma empresa de tecnologia, mas só agora assume uma responsabi­lidade social e política a vários níveis. É difícil saber o que realmente pensa, tendo em conta a demora do Facebook em endereçar certos problemas – dos perfis falsos à venda de fármacos ilegais e à monitoriza­ção dos utilizador­es mesmo quando eles desligam a rede social.

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