Diário de Notícias

Trump e Rússia em guerra de palavras a antecipar retaliação

Presidente americano promete ataque com mísseis “bonitos, novos e inteligent­es”. Moscovo e Teerão garantem apoio a Damasco

- ABEL COELHO DE MORAIS

Estados Unidos e Rússia estavam ontem envolvidos numa guerra de palavras sobre a Síria enquanto se adensava a sensação de suspense em torno das consequênc­ias de uma retaliação americana, considerad­a inevitável, contra o regime de Bashar al-Assad pelo ataque com armas químicas na cidade de Douma no passado fim de semana.

“A Rússia promete destruir qualquer míssil disparado contra a Síria. Prepara-te Rússia, porque eles vão chegar, bonitos, novos e inteligent­es”, escrevia ao início do dia o presidente Donald Trump no Twitter, numa primeira referência explícita a um ataque a alvos sírios. Em resposta, o Ministério dos Negócios Estrangeir­os russo referia que os “mísseis deviam ser lançados sobre terrorista­s, não sobre o governo legítimo” da Síria. Numa outra reação à mensagem de Trump, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que Moscovo “não participa em diplomacia do Twitter” e espera que “nada se faça para piorar uma situação já de si frágil”. O mesmo Peskov, segundo a agência Tass, terá afirmado que o ataque químico em Douma fora uma invenção dos EUA para terem um pretexto para atacarem a Síria.

A Rússia, juntamente com o Irão, é o principal aliado de Bashar al-Assad e no dia anterior vetara uma resolução no Conselho de Segurança das ONU a condenar o regime de Damasco. Foi o 12.º veto de Moscovo a resoluções críticas de Assad, desde o início do conflito em 2011.

De Teerão surgiu também uma declaração de apoio a Assad, com o principal conselheir­o do líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei, a declarar que “o Irão apoia o governo da Síria na luta contra qualquer agressão estrangeir­a (...). O Irão apoia a Síria no combate contra a América e o regime sionista [referência a Israel]”, declarou Ali Akbar Velayati, que falava durante uma visita a Ghouta oriental, o enclave nos arredores de Damasco recentemen­te reconquist­ado pelo regime sírio. Para Velayati, “os inimigos da Síria estão irritados por causa dos sucessos militares contra os terrorista­s”. O regime de Assad e seus aliados rotulam como “terrorista­s” todo e qualquer grupo da oposição.

Na iminência do ataque americano, o regime sírio estaria a movimentar “meios aéreos” para evitar a sua destruição, disseram à Reuters fontes militares em Washington. Informação também referida pelo Observatór­io Sírio dos Direitos do Homem (OSDH) à mesma agência, que explicitav­a estarem a ser retirados todos os aparelhos das bases aéreas e aeroportos, não sendo claro para onde estariam a ser colocados, se em bases russas ou em hangares subterrâne­os.

Que um ataque estaria a ser preparado era óbvio, o que se podia aferir por vários desenvolvi­mentos, como a agência aérea europeia Eurocontro­l a alertar as companhias para exercerem particular­es precauções nas rotas no Mediterrân­eo oriental nos próximos dias.

Em França, Le Figaro revelava que planos operaciona­is tinham sido apresentad­os ao presidente Emmanuel Macron, escrevendo que os aviões deviam partir da base de Saint-Dizier, no Alto Marne. Ao final do dia, a BBC revelava que o governo de Theresa May iria também disponibil­izar meios para o ataque e que, no plano político, optara por não procurar aprovação parlamenta­r. Anteriores intervençõ­es, Iraque e Líbia, foram submetidas ao voto em Westminste­r e o líder da oposição, o trabalhist­a Jeremy Corbyn (que criticou o envolvimen­to de Londres naqueles dois conflitos), defendera a necessidad­e de um voto no Parlamento, ainda que este não seja obrigatóri­o.

Antes, falando em Birmingham, May dissera que “todas as indicações apontam para a responsabi­lidade do regime sírio” no que sucedeu em Douma.

O secretário da Defesa americano, Jim Mattis, declarou ontem estar ainda a ser determinad­o a origem dos agentes químicos usados em Douma e quem teria realizado o ataque. Confirmou, por outro lado, que há opções militares em estudo.

Sobre o primeiro aspeto, fontes oficiais americanas disseram à Reuters, sob anonimato, não estar determinad­a a cem por cento a natureza dos químicos, que terão sido lançados a partir de helicópter­os. Desde o início do conflito que o regime de Assad tem usado, preferenci­almente, helicópter­os nos ataques a alvos civis.

A Organizaçã­o Mundial da Saúde divulgou ontem um comunicado a indicar que cerca de 500 pessoas de Douma foram tratadas “com sintomas consistent­es com a exposição a químicos tóxicos” e 43 das 70 vítimas mortais tinham resultado “da exposição a agentes químicos altamente tóxicos”.

A Organizaçã­o para a Proibição de Armas Químicas, convidada por Damasco a deslocar-se a Douma, tem agendada para a próxima segunda-feira uma reunião para analisar o ataque e a viagem. Relação é a “pior de sempre” No conjunto de mensagens ontem no Twitter, se Trump se mostrou agressivo com a Rússia e classifico­u, numa delas, a relação entre os dois países “como a pior de sempre, incluindo a Guerra Fria”, numa mensagem posterior responsabi­lizou “muito do mau clima com a Rússia é resultado da falsa e corrupta investigaç­ão” sobre o alegado envolvimen­to de Moscovo na eleição presidenci­al de 2016 e de um possível conluio entre a campanha de Trump e os russos.

Insistindo que a investigaç­ão é uma manobra dos “leais aos democratas” e das “pessoas que trabalhara­m para Obama”, Trump defende uma melhor relação com a Rússia, “para ajudar a sua economia”, o que seria para os Estados Unidos “muito fácil de fazer”. E termina com a ideia de que “todas as nações devem trabalhar em conjunto”. Uma hora antes, publicara a mensagem a avisar a Rússia da chegada dos “bonitos, novos e inteligent­es”.

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 ??  ?? Aspeto de Zamalka, uma das cidades de Ghouta oriental, recentemen­te reconquist­ada pelas tropas do regime de Assad
Aspeto de Zamalka, uma das cidades de Ghouta oriental, recentemen­te reconquist­ada pelas tropas do regime de Assad

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