Diário de Notícias

Hollande avisa Macron: franceses decapitam os reis

Ex-presidente, que abdicou de ir a um segundo mandato, diz que podia ter derrotado o seu ex-ministro, mas a direita teria vencido

- SUSANA SALVADOR

Em apenas três meses, François Hollande passou para o papel as memórias dos cinco anos que esteve no Palácio do Eliseu. São 400 páginas à venda desde ontem, sob o título Les Leçons du Pouvoir (as lições do poder), nas quais não poupa nos ataques a Emmanuel Macron, seu ex-ministro da Economia. “O meu governo reduziu as desigualda­des. Este está a agravá-las”, escreveu o ex-presidente, que alerta o seu sucessor para o risco de querer forçar as reformas. “As negociaçõe­s demoram mais tempo, mas produzem resultados mais sólidos.”

Numa série de entrevista­s para promover o seu livro, Hollande também deixou outro aviso a Macron: “Aqueles que dizem que as pessoas estão à procura de um rei não se devem esquecer de que estamos num país onde se cortam as cabeças aos monarcas.” Em 2015, Macron disse que a França vivia nostálgica em relação à monarquia e que a execução do último rei (Luís XVI, morto na guilhotina em 1793) deixou “um vazio à frente do Estado”. O Le Monde descreveu no passado o presidente como “um monarca republican­o”.

Numa entrevista à TF1, Hollande admitiu que também foi “seduzido” por Macron: “Se não tivesse sido seduzido, não o teria escolhido como conselheir­o económico e depois como ministro.” Já no livro, aborda a traição do atual presidente, lembrando que este lhe disse que o En Marche! (o movimento que criou) não representa­va uma ameaça, mas serviria para “mobilizar os apoiantes” e ajudar o presidente – o mais impopular da V República. “Sempre aceitei a concorrênc­ia política. Mas acho que devia acontecer de maneira aberta e franca”, escreveu Hollande. “Vamos admitir que não foi esse o caso.”

Hollande foi o primeiro presidente a abdicar da candidatur­a ao segundo mandato, alegando ter feito um “sacrifício” político para impedir a vitória de François Fillon ou de Marine Le Pen. “Podia ter derrotado Macron”, disse o ex-presidente numa entrevista. “Não queria. Ele não teria ganho e eu não teria ganho. Teríamos um presidente da direita ou da extrema-direita”, acrescento­u. Os socialista­s tiveram nas eleições de 2017 a pior derrota de Les Leçons du Pouvoir sempre, com Benoît Hamon a não ir além dos 6% na primeira volta.

O livro de Hollande é publicado numa altura em que Macron, eleito há menos de um ano, enfrenta o descontent­amento de parte da população por causa das reformas que quer empreender. Os funcionári­os dos caminhos-de-ferro prometem três meses de greve contra as mudanças na operadora estatal SNCF e as paralisaçõ­es chegam também aos transporte­s aéreos. Por seu lado, os estudantes estiveram barricados nas universida­des contra as reformas da educação e os ambientali­stas envolveram-se em confrontos com a polícia no desmantela­mento de um acampament­o erguido há uma década para bloquear a construção de um aeroporto em Nantes.

Face a este cenário, o presidente dará nesta semana duas entrevista­s televisiva­s. Hoje é o convidado de Jean-Pierre Pernaut, no noticiário da hora de almoço da TF1, a pensar nos reformados e num público mais rural. A entrevista não será em Paris, mas em Berd’huis, localidade com cerca de mil habitantes no noroeste do país, para reforçar essa ideia de proximidad­e diante das críticas de que está distante dos franceses. No domingo, enfrentará durante duas horas a estrela da estação BFMTV e da rádio RMC, Jean-Jacques Bourdin, e o presidente do site de informação Mediapart, Edwy Plenel.

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François Hollande e o sucessor, Emmanuel Macron, na passagem de testemunho a 14 de maio de 2017
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