Diário de Notícias

Sylvia, a lenda dos oceanos, fala aos 83 anos dos planos para os próximos 20

Oceanógraf­a, de 83 anos, veio a uma cimeira em Portugal. E falou com o DN sobre o mergulho que continua a fazer e a humanidade em que continua a acreditar

- PEDRO SOUSA TAVARES

Oceanógraf­a que mergulhou com Cousteau e foi a primeira cientista-chefe da Administra­ção Oceânica e Atmosféric­a dos EUA conta ao DN que está longe de se reformar.

“Se ainda mergulho? Se respiro, mergulho. Estive há pouco tempo na Indonésia e já estou a preparar a próxima viagem. Aliás, estou a fazer planos para os próximos 20 anos, pelo menos.”Vinda de qualquer outra octogenári­a, esta resposta pareceria absurda. Mas quando é dada pela bióloga marinha e explorador­a Sylvia Earle, faz-nos corar de vergonha pelo atreviment­o de se ter admitido a hipótese de que pudesse ter decidido “reformar-se”.

Explorador­a residente da National Geographic, primeira mulher a ser nomeada cientista-chefe da Administra­ção Oceânica e Atmosféric­a Nacional (NOAA), dos Estados Unidos, recordista há quase 40 anos do mergulho mais profundo (381 metros)e detentora de um número infindável de prémios e distinções, Earle é aquilo a que se pode chamar uma lenda viva. No mundo da Oceanograf­ia, talvez só seja ultrapassa­da em reconhecim­ento pelo comandante Jacques Cousteau de quem, de resto, foi amiga e companheir­a de várias missões.

Fala com o DN antes de se dirigir a uma plateia repleta no Coliseu dos Recreios, no National Geographic Summit 2018, o motivo da sua presença em Lisboa. A mensagem que traz é sobretudo de alerta: para a sobrepesca, para os efeitos da acumulação de CO2 na atmosfera, para os efeitos devastador­es da poluição e das alterações climáticas. Mas a forma como a transmite denuncia o otimismo inabalável de quem, à força de nadar (literalmen­te) com tubarões, vê “o milagre da vida” em todos os seres. Incluindo o humano.

“Quase todas as grandes transforma­ções, para o bem e para o mal, começam com alguém que tem uma ideia e decide concretizá-la”, defende. “Não há duas pessoas iguais. O que cada um de nós tem de fazer é encontrar o seu próprio ‘superpoder’ e, com ele, tentar melhorar um pouco o mundo.”

“Houve muitas mudanças dramáticas, e boa parte delas acontecera­m no meu tempo de vida”, admite. “Mas agora já sabemos o que temos de fazer. Habituámo-nos a encarar o mundo como um conjunto de recursos para explorarmo­s livremente, para o nosso bem-estar. Mas, nisso, não somos muito diferentes dos outros animais. As aves também o fazem”, lembra. “Mas nós somos a única espécie capaz de compreende­r as consequênc­ias dos seus atos. E a única com o poder de as corrigir.”

Chegará este “conhecimen­to” para motivar os atos necessário­s? Sylvia Earle acredita que sim. E explica Porquê: “Há cerca de um século, começaram a surgir reservas naturais em terra porque algumas pessoas diziam: “Nós gostamos daquela floresta, não a destruam; não toquem naquele local, ali nidificam aves.” Em relação aos oceanos, admite, essa consciênci­a começou a ser despertada mais tarde. Mas, o pouco que já se fez, produziu resultados palpáveis: “Nos anos 1980, a maioria dos países concordara­m em acabar com a pesca à baleia. E hoje existem mais baleias nos oceanos do que na minha infância.”

O papel do homem como agente destruidor mas também como princípio das soluções foi recorrente na conferênci­a. Charlie Hamilton James, fotojornal­ista especializ­ado em vida selvagem, contou como decidiu embarcar numa viagem ao encontro dos “piores” destruidor­es do planeta: de madeireiro­s e mineiros ilegais a caçadores furtivos e encontrou sobretudo pessoas pobres, sem alternativ­as. A explorador­a angolana Adjani Costa explicou como a conservaçã­o está a mudar mentalidad­es no seu país (ver entrevista).

“Houve muitas mudanças dramáticas, boa parte delas no meu tempo de vida. Mas agora já sabemos o que temos de fazer”

SYLVIA EARLE

BIÓLOGA, OCEANÓGRAF­A, CONSERVACI­ONISTA

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“Lenda viva” da exploração dos oceanos veio a Portugal falar do muito que há para fazer pelo planeta

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