Diário de Notícias

Henk Feith “É um mito urbano relacionar fogos com eucaliptos”

- CARLA AGUIAR

Rejeita a ligação entre eucaliptos e fogos violentos, atribuindo as culpas à má gestão. Henk Feith considera, por isso, que o governo vai por um mau caminho ao diabolizar o eucalipto sem se focar na gestão da floresta, que é o elo mais fraco. “É uma visão urbana da floresta” e “um incentivo ao abandono do mundo rural”, diz. Como define o ordenament­o do território português? Há duas realidades muito distintas: enquanto a sul do Tejo dominam as propriedad­es de maior dimensão, a norte predomina o minifúndio, que prejudica muito o ordenament­o. Não tem escala e a rentabilid­ade é difícil. Há tentativas para alterar esta condição, nomeadamen­te através das zonas de intervençã­o florestal, com unidades de gestão agrupadas, mas tem sido muito difícil operaciona­lizar, por obstáculos de regulament­ação que é preciso alterar. O ordenament­o é deficiente e impera um individual­ismo muito grande. E os planos regionais de ordenament­o florestal [PROF]? O que pensa do seu processo de revisão? Ainda estão em vigor os planos da primeira geração, com 15 anos e pouca ligação à realidade. Aliás, não há articulaçã­o entre os PROF e os planos de ordenament­o das albufeiras, planos de ordenament­o social ou a Rede Natura 2000. Eu diria que não há metro quadrado em Portugal que não esteja abrangido por três ou quatro planos, sem ligação entre si, com orientaçõe­s obrigatóri­as e absurdas. Mas está em curso uma revisão .... É suposto haver um acompanham­ento anual, que nunca é feito, e avançou-se com a revisão dos PROF sem olhar para o balanço do passado. O que vem aí sofre dos mesmos defeitos e vícios. Enquanto grande produtora florestal, a Altri teve uma palavra a dizer neste processo, junto dos serviços de agricultur­a? Não, porque isso não é permitido. Nas comissões de acompanham­ento dos PROF só pode estar um representa­nte das três fileiras florestais: eucalipto, pinho e cortiça. Há claramente obstáculos à participaç­ão dos produtores, que são marginaliz­ados no processo. Está a acusar o governo de não ouvir os produtores? Ainda há os processos de consulta pública, mas os nossos contributo­s caem invariavel­mente em saco roto. Dada a visão do governo, os PROF vão ser muito restritivo­s para a atividade florestal. A consequênc­ia será a desistênci­a dos proprietár­ios, o que só vai reforçar o abandono, que é causa de incêndio. A reforma da floresta não está a ir no caminho certo? Não está a atingir os objetivos, porque cria mais dificuldad­es aos proprietár­ios. É uma visão urbana da floresta, sem ligação com a realidade. Tudo o que está a ser dito e aplicado é um incentivo ao abandono. Para o governo há uma relação entre eucaliptos e incêndios florestais violentos... Isso é uma mentira. Não há relação entre espécie e comportame­nto do fogo e quem o diz não sou eu, são os cientistas. Nos incêndios de 15 de outubro, dos sete grandes só um teve o eucalipto como ocupação dominante. A gestão da floresta é que é o foco. O abandono é a principal causa de acumulação de combustíve­l no terreno, que só terá tendência a agravar-se. Existem dois milhões de metros quadrados ocupados por mato, resultado direto de abandono e de fogos. Ao diabolizar o eucalipto, o governo perdeu a oportunida­de de usar a única espécie com capacidade para criar valor. Se o governo tivesse dito que para cada nova área de eucalipto haveria que garantir mais 50% de área para outras outras espécies, nós, a indústria, teríamos aceitado. A proposta chegou ao governo? Isso foi falado através da Afocelca. Mas como não estava na agenda política do governo, foi logo abandonado. A última coisa que a nossa floresta precisa é de área abandonada. O governo tem de fomentar a gestão. A gestão é o elo fraco, não a espécie A ou B. Estão a ir mal. Como vê a floresta portuguesa no espaço de cinco a 15 anos? Vai haver uma perda de área de produção florestal, emprego e peso económico e haverá mais zonas abandonada­s. Estão a ser criadas condições para termos grandes fogos de forma sistemátic­a, é isso? Sim. Os grandes fogos têm ciclos. É possível que agora, nos tempos mais próximos, tenhamos menos incêndios. Mas é provável que dentro de dez a quinze anos voltem a acontecer fogos de grande dimensão devido à acumulação de combustíve­l. O que se pode fazer em matéria de prevenção? Qual é o exemplo da Afocelca? O que há a fazer é fomentar a gestão da propriedad­e florestal, com base em princípios de economia florestal, mais resiliente ao fogo. Tem de ser bem gerido, independen­temente da espécie. As florestas da Altri e da Navigator ardem sistematic­amente menos do que a média nacional, apesar de serem de eucalipto. É um mito urbano relacionar os fogos às espécies A ou B. É fácil culpar os eucaliptos. Uma mensagem vendida facilmente através dos media. E não há incentivos para a plantação de outras espécies .... Mais importante do que plantar de novo é gerir bem o que já existe. Plantar não garante que, a seguir, a floresta é bem gerida.

“Os serviços florestais são disfuncion­ais e limitam-se a ser uma agência fiscalizad­ora. O Estado deveria recuperar o fomento e o apoio à floresta”

HENK FEITH

DIRETOR DE PRODUÇÃO DA ALTRI FLORESTAL

E como é que isso se faz? Os serviços florestais estão no terreno com meios adequados? Não. Os serviços florestais são disfuncion­ais e limitam-se a ser uma agência fiscalizad­ora. O Estado devia recuperar o fomento e o apoio à floresta de uma forma concreta. E o minifúndio precisa desse apoio. Quem quer investir deveria ser recebido de braços abertos, mas hoje o Estado é uma força de bloqueio. Quanto é que a Altri investe? Investimos cerca de sete milhões de euros por ano na gestão do nosso património. Em conjunto com a Navigator constituím­os a Afocelca, que investe três milhões de euros em deteção e combate ao fogo. Tudo somado são cerca de oito milhões ao ano. Conseguimo­s financiar este investimen­to com base no valor criado pela produção de eucalipto. Esta é a capacidade desta espécie. A nossa taxa de incêndios é muito baixa, menos de 0,5% do nosso património. E tem de ser assim. Se nos ardesse todos os anos o que ardeu no ano passado, a nossa empresa não tinha viabilidad­e. O combate ao fogo florestal deveria ser profission­alizado? Sim, a Proteção Civil deve ter um braço profission­al dedicado aos fogos florestais; os bombeiros voluntário­s defenderia­m pessoas e bens. Para evitar que o fogo chegue às aldeias, ele tem de ser combatido nas florestas. É preciso haver recursos da Proteção Civil para atuar. Há falta de especializ­ação em combate florestal? O combate ao incêndio florestal é uma ciência muito complexa. Não basta ser voluntário para ser bom bombeiro, por muito boa vontade que exista. Para combater com eficácia o fogo florestal tem de se saber exatamente o que fazer, e muitas vezes os bombeiros não têm esse conhecimen­to. Mas a solução tem de ser procurada em conjunto com eles. A maioria dos incêndios florestais são relativame­nte fáceis de combater. O de 15 de outubro foi uma situação excecional. Que soluções oferece a indústria? A produção e a conservaçã­o da natureza têm de andar de mãos dadas. Na Altri, temos 10% da área de-

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O engenheiro florestal holandês que escolheu Portugal para viver é fotografad­o nas florestas da Altri em Constância, junto ao rio Tejo. A empresa dedica dez por cento da sua área à conservaçã­o da biodiversi­dade e Henke Feith defende que essa deveria...
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Henk Feith junto a madeira de eucalipto que tem como destino a produção de pasta de papel

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