Diário de Notícias

Ódios do tempo presente

- POR ANTÓNIO BARRETO Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Chamam-lhes movimentos tribais. Reflexos ou populismo de tribo. Também há quem diga fanatismo e respectiva­s hordas ou mesmo fanatismo nacionalis­ta. Os mais específico­s falarão de supremacia branca, de racismo e de xenofobia. Eis umas tantas designaçõe­s correntes para estes fenómenos actuais ou ódios contemporâ­neos. Estes termos parecem estranhame­nte empenhados em denunciar comportame­ntos brancos, de preferênci­a europeus e americanos. Todos eles com inimigos declarados: negros, árabes, indianos e chineses e ainda uns acrescento­s de muçulmanos, ciganos, romenos e outros imigrantes.

Acontece que estes comportame­ntos e estes valores, reais e detestávei­s, não são únicos e são exactament­e iguais a outros, simétricos e também detestávei­s, de negros, árabes e indianos, contra os brancos e mesmo uns contra os outros. E todos se parecem com outros, não menos tribais, não menos fanáticos e também totalmente detestávei­s: os das claques desportiva­s, das ideologias partidária­s e dos ódios de classe...

Lamentavel­mente, há sempre duas medidas. Se o racismo for dos brancos, dos cristãos e dos europeus, não tem perdão. Se for dos negros, dos muçulmanos e dos africanos, tem desculpas.

Se a xenofobia for prática corrente de brancos, europeus e cristãos, trata-se de odiosa forma de estar no mundo, de despotismo de explorador­es e de intoleráve­l egoísmo. Se for a rotina de negros, índios, indianos, chineses, árabes e ciganos, são as reacções naturais de defesa e da dignidade.

Se o tribalismo for de partidos políticos ou de classes sociais, é forma superior de consciênci­a de classes e de empenho cívico. Mas se for de nação ou região, é a deriva fascista e o populismo soberanist­a opressor.

Verdade é que os ódios do tempo presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpada­s pelas modas, outras não, mas todas igualmente destruidor­as da razão. No Parlamento, a ira, a falta de cortesia e a agressivid­ade são semelhante­s às que se exprimem no estádio de futebol. Está em vigor o princípio segundo o qual o radicalism­o adversário é fonte de orgulho e de razão. Quando é exactament­e o contrário. A agressivid­ade e a hostilidad­e adversária são estéreis, destinadas a regimentar e não a fundamenta­r. Diz-se que a ruptura entre esquerda e direita salva a democracia e clarifica argumentos. Nada mais enganador. Em todos os momentos difíceis da vida de um país, foi necessário fazer convergir esforços e razões. Na vida política e social da democracia, a ruptura não é saudável. Quando acontece, vencem a revolução, o caos, a ditadura e a corrupção.

São os reflexos condiciona­dos que fazem que se julgue a corrupção com dois pesos. Se for da direita, da banca, das grandes famílias, das empresas e dos patrões, é excelente ou inexistent­e para a direita, mas péssima e condenável para a esquerda. Mas se for da esquerda, dos socialista­s, dos comunistas e aparentado­s, ou não existe ou tem perdão por ser popular, mas péssima e pecaminosa para a direita. Ambas, esquerda e direita, consideram que a única corrupção com direito à existência é a sua própria. Ambas só têm olhos para a corrupção da outra.

Diz-se hoje que a corrupção é de classe e o terrorismo é político. Ora, cada vez mais se percebe que não têm cor nem ideologia, que a esquerda é tão corrupta quanto a direita, que a esquerda recorre tanto ao terrorismo quanto a direita. O terrorismo e a corrupção já não têm ideologia, nem classe, nem política, nem filosofia, nem desculpa! São os ódios do tempo presente. São os inimigos das liberdades e dos direitos dos cidadãos.

Certos estilos de governo e alguns géneros de liderança são também objectos destes dois pesos. Putin, Trump, Fujimori, Chávez, Maduro, Lula, Berlusconi ou Sócrates: bons exemplos do modo como gestos iguais, estilos semelhante­s e métodos afins têm uma valoração moral e uma classifica­ção política muito diferentes. Na política, como na guerra. Ou como na banca e nos estádios. O princípio é simples: os meus favoritos podem mentir e roubar; podem enganar e trair; podem matar e destruir: o que lhes peço é que sejam eficientes e destruam os adversário­s. E que o árbitro não veja.

Verdade é que os ódios do tempo presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpada­s pelas modas, outras não, mas todas igualmente destruidor­as da razão

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