Diário de Notícias

Co-living: quando partilhar uma casa com estranhos passa a fazer todo o sentido

São jovens profission­ais, trabalhado­res expatriado­s ou estudantes que em vez de procurarem colegas para partilhar uma casa em zonas apetecívei­s, onde a oferta é pouca e os preços muito altos, recorrem a empresas que já oferecem prédios ou vivendas com áre

- ANA RITA GUERRA, em Los Angeles

Quartos com várias camas, por vezes beliches, cozinhas totalmente equipadas, internet de alta velocidade, ginásio, eventos semanais e contratos mensais sem obrigações. É este o conceito de co-living - viver em comunidade – um novo segmento do mercado residencia­l que está a explodir em várias cidades do mundo. A próxima, segundo projetam consultora­s imobiliári­as, pode ser Lisboa. “Os principais ocupantes deste tipo de produto são trabalhado­res expatriado­s, estudantes ou jovens profission­ais”, explica ao DN Marta Esteves Costa, diretora de research da Cushman & Wakefield. Em vez de terem de procurar colegas para partilhar uma casa em zonas muito apetecívei­s, onde a oferta é baixa e as rendas muito caras, deixam tudo nas mãos das empresas que gerem estes empreendim­entos. Os apartament­os estão mobilados, o preço mensal é mais acessível do que uma renda média e inclui todas as despesas, como Wi-Fi e eletricida­de. Em Londres há o The Collective, em Berlim, o Quarters, em Nova Iorque, o WeLive, em Los Angeles, o Aviato Club. A ideia é levar as vantagens do co-working para o alojamento. É a economia de partilha a entrar dentro de casa.

“O conceito de co-living é hoje muito discutido no mercado imobiliári­o como uma das grandes tendências do futuro do segmento residencia­l”, confirma Marta Esteves Costa, referindo que os investidor­es estão de olhos postos neste segmento devido ao grande potencial que apresenta. O motivo, diz a responsáve­l, é a “profunda transforma­ção urbanístic­a que tantas capitais europeias estão a experiment­ar e que resulta na escassez de produto residencia­l para arrendamen­to.”

Isso é visível na capital portuguesa, onde o valor médio de arrendamen­to já é o dobro do resto do país e a oferta de casas para arrendamen­to de média ou longa duração é baixa. Marta Esteves Costa sublinha que um dos motivos para o potencial do co-living é que tanto Lisboa e como o Porto estão a atrair jovens profission­ais liberais e são interessan­tes para a captação de centros de fornecimen­to de serviços partilhado­s e BPO (business process outsourcin­g). “Em Lisboa já se assistem a vários desenvolvi­mentos neste sentido, seja por parte de promotores locais seja internacio­nais”, refere a responsáve­l.

De facto, a Outsite tem no Cais do Sodré um empreendim­ento com 30 camas e a Nomad House Lisbon tem um espaço de co-living e co-working perto da Estação de Santa Apolónia. A JLL revela, adicionalm­ente, que já há mais dois projetos em desenvolvi­mento. “Acreditamo­s que o nosso país tem um grande potencial para promover esta tendência”, diz ao DN a consultora imobiliári­a. “Trata-se de um mercado muito citadino e cosmopolit­a, direcionad­o para quem procura um segundo teto depois da universida­de, profission­ais deslocados ou independen­tes e empreended­ores, até aos 40 anos aproximada­mente.” A JLL destaca que o programa Startup Visa está a trazer muitos estrangeir­os que procuram este tipo de soluções e que a tendência é para que o mercado se de-senvolva “apenas nas grandes cidades como Lisboa, Porto ou Coimbra, onde estão estas comunidade­s”. Maior empresa de co-living quer Lisboa A alemã Medici Living, que está neste mercado há cinco anos, é uma das que estão a fazer prospeção em Lisboa. “Temos uma equipa à procura de boas localizaçõ­es”, diz ao DN Bosko Todorovic, responsáve­l global de marketing do grupo sediado em Berlim. “Acabámos de começar a falar de Lisboa, está na nossa lista de expansão europeia.” É possível que tal investimen­to venha a acontecer já neste ano, indica. “Estamos sempre interessad­os em conversar com especialis­tas imobiliári­os para desenvolve­r estes projetos.”

A Medici Living é, neste momento, a maior empresa do setor, com 1700 camas espalhadas pela Europa e Estados Unidos. O grupo tem dois modelos distintos: o Living e o Quarters, que diferem no tipo de alvo. O Living está a funcionar na Alemanha e na Holanda e é direcionad­o para jovens estudantes e estagiário­s, nessa fase instável em que precisam de rendas muito baixas. A outra oferta, que foi criada no ano passado, é a Quarters e dirige-se a inquilinos mais velhos, noutra fase da vida profission­al. “São os chamados nómadas digitais, que têm

uma mala e um portátil e trabalham de qualquer lado”, diz Bosko.

Neste caso, o grupo controla sempre prédios inteiros e não apenas uma casa. Tem dois edifícios em Nova Iorque, onde os preços mensais começam nos 1750 dólares (bem abaixo do que é normal em Manhattan), está em Chicago a partir dos 999 dólares e também em Berlim, a partir de 500 euros. “Há sempre espaços comuns, terraços, ginásios, cozinha e área de alimentaçã­o, onde fazemos festas semanais e juntamos as pessoas”, explica Bosko. “O ‘co’ é muito importante: é a parte da comunidade.”

Isto é aquilo que distingue o co-living de algo que é comum em todo o lado mas com outro nome – partilhar casa para poupar nas despesas. “Tentamos juntar pessoas com interesses similares, dá mais oportunida­des do que apenas um teto”, explica o executivo. Já aconteceu inquilinos conhecerem-se em eventos semanais e começarem empresas juntos. “Dá acesso imediato a pessoas semelhante­s e potenciais amigos numa nova cidade”, complement­a.

As vantagens em relação a um contrato normal é que o inquilino não tem de assinar por longos períodos de tempo, não tem de fazer prova de rendimento­s fixos e não precisa de adquirir mobílias – algo interessan­te se tiver mudado para a cidade recentemen­te ou planear mudar-se para entrar num novo emprego. No caso dos nómadas digitais, por exemplo profission­ais que têm um site, um blogue, trabalham de forma remota ou estão a começar um novo negócio, a flexibilid­ade é importante. Nalguns casos, os empreendim­entos de co-living até fornecem itens de despensa básicos e espaços completos de co-working.

O modelo da Califórnia As duas maiores áreas metropolit­anas da Califórnia enfrentam um problema grave de rendas elevadas e pouca disponibil­idade de oferta. Em São Francisco e Los Angeles encontrar um T0 por menos de mil dólares é quase impossível, e as rendas podem ir até aos cinco ou seis mil por mês. Isto afeta mais do que as populações locais pela importânci­a que têm no mundo: uma é o epicentro da inovação tecnológic­a, Silicon Valley, a outra a capital mundial do entretenim­ento, Hollywood. Há um grande movimento de expatriado­s, incluindo portuguese­s, que chegam a estas cidades para trabalhar ou perseguir um sonho. O primeiro obstáculo é encontrar um sítio para ficar.

A situação justifica que a Califórnia seja, a par de Nova Iorque, um dos principais mercados de teste para novas marcas de co-living. Há várias empresas a competir neste espaço, como é o caso da Open Door e Aviato Club, e novos empreendim­entos a serem construído­s de raiz, como o Treehouse Co-Living em Hollywood. Os preços são imbatíveis: entre 800 e mil dólares por mês.

“Quando se arranja um colega de casa no Craigslist, não se faz ideia de quem seja”, argumenta Emily Wilson, diretora de operações da Aviato Club. “Com o modelo de negócio que temos, entrevista­mos, verificamo­s o cadastro, garantimos que as pessoas se integrarão bem na comunidade. Não é apenas pessoas a viver juntas”, continua, para dissipar a ideia de que isto é chamar por outro nome algo que já existe há muito tempo.

A empresa foi fundada há dois anos porViktor Nikonets, depois de se mudar de Varsóvia para São Francisco e ter dificuldad­es em encontrar alojamento seguro e acessível onde pudesse conhecer pessoas e trabalhar nos seus projetos. “Vimos que havia um problema e uma necessidad­e”, explica Emily. A responsáve­l atribui o sucesso do modelo de negócio da Aviato Club a uma confluênci­a de fatores que vão além do preço, embora este seja o problema número um. “As pessoas gostam de viajar e trabalhar no seu computador onde quer que estejam. Gostam de experiment­ar locais diferentes, tentar novas oportunida­des de trabalho”, diz. “É a mentalidad­e millennial.” Além de casa, os espaços incluem co-working e mentoria adaptada à comunidade – em Burbank, por exemplo, há atores, realizador­es, produtores e músicos; em São Francisco, há programado­res.

O Aviato Club tem rendas mensais entre os 800 e os 925 dólares por mês, conforme a localizaçã­o, com cinco espaços entre Los Angeles e São Francisco. Para 2019, estão a planear um novo projeto em Silicon Valley, virado para a comunidade tecnológic­a.

A ideia é que este modelo de alojamento seja algo de transição, onde as pessoas ficam durante algum tempo, mas Emily nota que há quem esteja com eles há dois anos. “Gostam do aspeto de comunidade”, refere. É que há um terceiro fator, além do preço e da flexibilid­ade, a ditar o cresciment­o do co-living. “As grandes cidades têm muita população mas as pessoas são solitárias”, diz. “É o fator solidão.”

 ??  ??
 ??  ?? A Califórnia é, a par de Nova Iorque, um dos principais mercados de teste para novas marcas de co-living. Nas fotos, um dos espaços partilhado­s em Manhattan Lisboa pode ser a próxima capital a aceitar esta tendência. No Cais do Sodré, há um...
A Califórnia é, a par de Nova Iorque, um dos principais mercados de teste para novas marcas de co-living. Nas fotos, um dos espaços partilhado­s em Manhattan Lisboa pode ser a próxima capital a aceitar esta tendência. No Cais do Sodré, há um...
 ??  ?? Marta Esteves Costa, diretora de research da Cushman & Wakefield
Marta Esteves Costa, diretora de research da Cushman & Wakefield

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal