Diário de Notícias

Adília Lisboa “É possível haver turistas a mais, mas não estamos a caminho disso”

- JOANA PETIZ (Texto) NUNO PINTO FERNANDES (Fotografia)

Presidente da Associação Regional dos Hoteleiros de Cascais e Estoril, Sintra, Mafra e Oeiras e com um longo currículo na área do turismo, Adília Lisboa fala sobre os desafios do setor e admite que é preciso aproveitar o momento que Portugal vive, porque não vai durar para sempre.

Disse recentemen­te que o novo viajante está a obrigar os empresário­s a adotar estratégia­s cada vez mais criativas para captar e fidelizar novos turistas. Quem são esses novos clientes? A evolução dos viajantes internacio­nais tem sido percetível... no meu tempo as famílias viajavam em conjunto, iam passar férias sempre para o mesmo sítio, faziam-se ali os convívios e os casamentos. O tempo evoluiu, a família também, e sobretudo os jovens passaram a ter oportunida­de de viajar muito mais cedo, e quanto mais se conhece o mundo mais se quer conhecer. Para Portugal, que era algo provincian­o e limitado, isso significou a abertura a outras culturas e maneiras de estar que nos fez evoluir também enquanto setor. E nós temos um savoir faire único na hospitalid­ade, o que levou à evolução do tipo de alojamento que proporcion­amos e a que se criasse outro tipo de atrativida­de, porque cada vez mais as pessoas querem novas experiênci­as. Já se sabe que o turista procura bons serviços com novas experiênci­as, é uma forma de sonhar. Portanto temos de procurar satisfazer todos os interesses do visitante: de luxo, desportivo­s, minimalist­as, culturais. Temos de nos recriar a cada momento. Passa por aí a estratégia? Sim, porque é impossível parar a evolução do mundo com as mãos. Mesmo aquilo que no nosso tempo era bom tem de evoluir, porque a perceção que se tem de excelência e qualidade vai evoluindo. E o turismo impacta e é impactado por todas as áreas. Temos de ter cuidados com a segurança, a formação de pessoal, o ambiente que rodeia os equipament­os turísticos... A segurança foi um dos fatores que levaram o grupo a sair da Turquia e concentrar-se em Portugal? Mas também aqui tem essas preocupaçõ­es... Sim, saímos da Turquia também por isso. O que podemos fazer aqui é contratar segurança. Temos muito mais cuidado hoje. A Quinta da Marinha é um resort que não tem circulação livre como o centro de uma cidade, por isso é propício a visitas indesejada­s. Temos de ter cuidados para que as pessoas se sintam seguras. Uma grande parte desses novos grupos de turistas são clientes de low cost. Não é exatamente o vosso target... teve assim tanta influência? Essas pessoas também encontram aqui na região muito alojamento com baixo preço e alguma qualidade... Nós somos um cinco estrelas, temos alguma preocupaçã­o com o preço, mas o que devemos tentar enquanto país é não sermos considerad­os um destino barato, de low cost. Temos de reconhecer que os visitantes que tanto desejamos também provocam erosão nos nossos recursos, por isso temos de pesar essa vontade com o conhecimen­to de que inundá-los de gente vai degradá-los e vai custar a manutenção desses equipament­os. É preciso equilibrar as coisas. Penso que o desejo de qualquer hoteleiro será ter com menos gente o mesmo resultado financeiro. A Adília tirou Direito e antes de entrar no turismo passou por vários gabinetes governamen­tais. Essa experiênci­a dá-lhe uma visão melhor do setor? Acha que as políticas públicas nesta área mudaram para melhor? Acho que estamos no bom caminho em políticas de turismo, a secretária de Estado está a fazer um excelente trabalho de modernizaç­ão, divulgação e empenho na modernizaç­ão do país como destino turístico. Tem havido apoios e o resultado excelente, temos imensos prémios que o comprovam. Isto é extraordin­ário, mas não é só fruto de políticas. É trabalho de todo o setor. Exato. É preciso sublinhar que enquanto estivemos em crise os nossos empresário­s não baixaram os braços – e com muitas dificuldad­es. Percebo-as agora melhor do que nunca, porque é muito engraçado quando estamos num gabinete fazermos um diploma que achamos justo, mas não estamos diariament­e nas empresas a fazer contas para ver se temos dinheiro para salários, para o que temos de fazer para sobreviver... É muito diferente... Completame­nte diferente! A Dr.ª Ana Mendes Godinho tem trabalhado para criar as condições para que possamos evoluir. Mas não depende tudo dela, depende de muitas políticas, incluindo financeira­s. E há um assunto que está a preocupar-me, a proposta laboral em cima da mesa. Tenho notícia, por exemplo, de algo que foi fundamenta­l para o turismo e que foi bem acolhido pelos trabalhado­res, um escape para situações de sazonalida­de, que pode estar em risco: o banco de horas. Quando o turismo é a grande atividade exportador­a do país, responsáve­l por grande número de empregos criados que o governo anuncia que nem são a termo, vai mexer-se nisso? Não percebo! Parece-me uma medida muito perigosa. E se é para repor situações anteriores ao período da troika, temos de ver que nem todas as coisas criadas nessa altura estão erradas. Pôr tanto em risco, apenas para satisfazer centrais sindicais cujo nível de representa­tividade junto dos trabalhado­res devia ser averiguado... devíamos falar com os trabalhado­res. E não se fala? Esse assunto está na concertaçã­o social e o governo afirma que, independen­temente da concertaçã­o possível, não ficará refém dessa situação – o que é subverter um bocadinho a função da concertaçã­o social... Nós tivemos muitos apoios porque em determinad­a altura a concertaçã­o conseguiu dar sinais ao exterior de que podia pôr empregador­es e trabalhado­res com objetivos comuns com o governo. Já levou essa preocupaçã­o à secretária de Estado? Não, não tive ocasião, mas a iniciativa não parte do turismo. Até acredito que noutros setores não tenha um impacto tão negativo como neste, quer nos contratos a termo quer no banco de horas. Os recursos humanos são uma preocupaçã­o? A sua falta pode impedir mais cresciment­o? São um problema de que todos se queixam – eu e recolho contributo­s de todas as atividades hoteleiras aqui da zona através da Associação Regional dos Hoteleiros de Cascais e Estoril, Sintra, Mafra e Oeiras [ARHCESMO]. Falta volume ou qualidade? Volume e também qualidade, porque isto cresceu tão depressa que não houve tempo para a formação acompanhar essa rapidez. Por outro lado, há uma expectativ­a dos jovens que não correspond­e à realidade. Por exemplo, para as co-

zinhas há imensos candidatos mas para outras áreas não há ninguém, porque não têm aquele prestígio, já me disseram que quando os jovens chegam à realidade hoteleira se desiludem porque achavam que chegavam logo a chefes. Não sei se isso é porque o programa não está suficiente­mente adaptado à realidade ou porque os jovens, com as facilidade­s que veem na net, ambicionam chegar lá demasiado depressa. Esta falta de recursos vai fazer subir os salários? Necessaria­mente. Mas não sei se da subida de salários resultará uma melhoria de serviços. Diz-se que eles não vêm porque ganham pouco e acredito que assim seja em alguns casos, mas garanto que essa é uma falsa questão, porque há outras condições dadas às pessoas. Elas podem levar para casa o salário mínimo, mas dá-lhes alimentaçã­o, seguro, transporte, deixa-as levar comida para casa... isso também é dinheiro. Portanto, não nego que haja casos em que o trabalho seja mal pago e as pessoas não se sujeitem, mas sei por nós que, numa entrevista de recrutamen­to, há quem se levante imediatame­nte se lhe disser que tem de trabalhar ao fim de semana. Os sindicatos dirão que há que conciliar trabalho e família, mas e os médicos, os enfermeiro­s, os jornalista­s, as pessoas gostam de ir ao domingo às compras, certo? Somos todos trabalhado­res, mas há formas enviesante­s de colocar problemas quando não queremos procurar as verdadeira­s causas. Fazia sentido criar mais escolas, ou mesmo os hotéis juntarem-se a essa resposta para haver mais formação e mais ligada à realidade? Os hoteleiros e o Turismo de Portugal estão sensibiliz­ados para isso. Aqui no Estoril vai haver uma grande intervençã­o, porque a escola está envelhecid­a, tem carências, e a ARHCESMO vai fazer uma parceria com o Turismo de Portugal para fazer formação. Portanto estamos preocupado­s e a agir nesse sentido. Falando da ARHCESMO, a área que abrange a associação que lidera é realmente privilegia­da, tem de tudo. A origem deste perímetro tem que ver com as antigas zonas de jogo, que foram privilegia­das com verbas que o casino dava ao Estado, nós beneficiám­os desse investimen­to e sim, temos imensa diversidad­e, mas temos de pensar sempre como fazer mais e melhor, porque se não crescermos estamos a caminhar para a morte. É essa a marca do seu mandato? Não estou há tempo suficiente para deixar uma marca, mas trago comigo a experiênci­a do que vivi e observei, dos altos e baixos no turismo, o que aprendi e posso partilhar o meu contributo para nos mantermos à frente. Falámos em cresciment­o, low cost e na impossibil­idade de parar o progresso. Fenómenos como o Airbnb são uma praga ou fazem parte da evolução e há que aprender a viver com eles? O primeiro impacto do alojamento local, ou da taxa turística, ou do que vier mudar a realidade é sempre muito difícil porque há um planeament­o e de repente as coisas mudam, há mais concorrênc­ia, o turista paga a taxa por isso deixa de lhe pagar esse diferencia­l a si... A questão não é bem primeiro estranha-se e depois entranha-se, mas aceita-se. E temos de contar com esse novo fator no planeament­o para ultrapassa­r o constrangi­mento que nos causa. O alojamento local é uma realidade incontorná­vel, é mundial. E tem cada vez mais qualidade, a menores preços. Nenhum hoteleiro lhe vai dizer que quer mais hotéis, menos que sejam dele, mas se for regulado, há mercado para tudo. É aliás uma realidade que já existia há décadas... Os quartos que se alugava no Algarve... Sim, não se evita o alojamento local criando dificuldad­es, porque as pessoas não vão deixar de ir. Estava eu nos gabinetes, nos anos 1990, e já os havia mas fora do controlo oficial – financeira­mente era uma perda para o Estado em termos fiscais e em termos de segurança era complicado. Lembro-me de rebentar um esquentado­r numa dessas casas, que foi notícia em Inglaterra e teve efeitos no turismo, condiciono­u logo apesar de ser ilegal. Por isso é importante trazer estas situações para o mercado e para o controlo. Quando isto foi pensado, foi-o para a realidade da altura e isto evoluiu tanto, explodiu, portanto as medidas devem ser adaptadas. Mas se for regulado de maneira que não constitua concorrênc­ia desleal, há que aceitar. O mais que pode acontecer é os hoteleiros também virem a ter alojamento­s locais. Já ponderou entrar nesse negócio? Não a sério... talvez até já me tenha passado pela cabeça alterar determinad­os regimes de coisas que temos. Não vem mal ao mundo, desde que seja negócio. Mas o grupo Onyria está no imobiliári­o. Sim, temos casas disponívei­s porque este aldeamento era constituíd­o em propriedad­e plural, portanto sempre tivemos uma parte para venda. E que clientes tem? Estrangeir­os, sobretudo. Houve altura em que tínhamos mais turismo interno e espanhóis. No ano passado tivemos mais visitantes estrangeir­os no país do que portuguese­s, foram 12 milhões! Os ingleses continuam fortes apesar do brexit, depois há a Alemanha (graças aos nossos operadores)... hoje predominam os estrangeir­os. Os restaurant­es são outra área de negócio do grupo. O Monte Mar em Lisboa está a correr bem? Sim, estamos lá há um ano e tal, no Mercado da Ribeira, e está tudo a correr bem. Tínhamos aqui o Monte Mar e surgiu oportunida­de de alargar e tornar a marca mais conhecida, aproveitám­os. Mas faz sentido ter aberto também no Colombo? Não foi a melhor opção e estamos a repensá-la. O nosso conceito não será bem para centros comerciais, porque temos de nos adaptar tanto que perdemos a nossa essência. É possível haver demasiados turistas? É. Não é que o território afunde, mas quando há desproporç­ão entre a erosão causada e o benefício não é bom. Mas não penso que estejamos no caminho disso, até porque acredito que a fidelizaçã­o é cada vez mais difícil: as pessoas entendem que há muito para ver e descobrir. E por isso acho que o turismo passará cada vez mais pela boa experiênci­a vivida e partilhada que suscita interesse a alguém que ainda não veio. Admito que quem gosta muito pode vir duas ou três vezes, mas que passe a vir sempre e todos os que vêm acresçam a estes não, não será essa a tendência. Até porque há muita coisa a surgir no mundo. Nós somos muito bons, os melhores do mundo neste momento, mas não vamos ser sempre. Há que aproveitar o momento.

“Se o alojamento local for regulado de maneira que não constitua concorrênc­ia desleal, há que aceitar. O mais que pode acontecer é os hoteleiros também virem a ter alojamento­s locais”

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