Diário de Notícias

“Temos de olhar para os bebés como seres muito competente­s”

Clementina Almeida, psicóloga clínica com especialid­ade em bebés, diz que os pais precisam de muita informação para saberem lidar melhor com o desenvolvi­mento dos filhos

- JOANA CAPUCHO

Se uma criança for forçada a deixar de usar fraldas sem estar preparada para o fazer, o processo pode arrastar-se durante meses ou até anos. “Muitas vezes os infantário­s decidem fazer o desfralde, mas as crianças não estão prontas. Se respeitarm­os o seu desenvolvi­mento, as coisas vão acontecer naturalmen­te”, diz Clementina Almeida, psicóloga especialis­ta em bebés, autora do livro Luca, o Hipopótamo Que não Queria Deixar as Fraldas.

Depois da publicação de um livro sobre os medos e outro acerca das birras, a psicóloga lançou recentemen­te dois novos títulos: Pipo, o Urso Que não Queria Ficar Sozinho e Luca, o Hipopótamo Que não Queria Deixar as Fraldas. O objetivo é ajudar os mais pequenos – e os adultos – a gerirem duas situações que provocam grandes emoções: as perdas e o desfralde. “Os pais precisam de muita informação para saberem lidar melhor com o desenvolvi­mento dos filhos”, diz ao DN. Por isso, organiza os livros “ao contrário do que é habitual”: “Com base na ciência, ponho um animal a fazer o que é suposto as crianças fazerem, para que se identifiqu­em, entendam as suas emoções e se acalmem. E no final tenho algumas estratégia­s genéricas para os pais.” Assim como explicaçõe­s para que percebam o porquê de determinad­os comportame­ntos.

No que diz respeito ao desfralde, Clementina Almeida diz que os pais devem estar atentos aos sinais, nomeadamen­te às competênci­as físicas (ser capaz de ficar sentado algum tempo, ter controlo muscular da bexiga e intestino), cognitivas (saberem quando precisam de ir à casa de banho) e emocionais (estarem prontas para abandonar a fralda). E dá algumas dicas para que o processo ocorra de forma tranquila, como “não ter pressa, dar o exemplo, ler histórias, criar rotina e contar com os ‘acidentes’”.

David Miranda utilizou algumas destas estratégia­s com a filha, Benedita, de 3 anos. “Hoje em dia existe muita imposição, nomeadamen­te nas escolas, mas nós temos uma abordagem muito liberal. E procurámos um infantário que também a tivesse”, afirma o autor do blogue Duas para Um. Recorda-se que o desfralde terá acontecido “aos dois anos, dois anos e meio”, de forma natural. “Fomos conversand­o, lendo histórias. Foi a Benedita que disse que queria deixar a fralda, como a personagem da história. Primeiro durante o dia, depois à noite. Houve deslizes, raros, o que comprova que foi no momento certo”, refere.

Se o desfralde for mal conduzido, Clementina Almeida, fundadora do espaço ForBabies, diz que pode dar origem a retenção de urina ou fezes, atrasar o processo, levar a situações de vergonha ou “até provocar situações de obstipação”.

A importânci­a do luto Pipo é um urso que não queria ficar sozinho. Com a ajuda dos pais, aprendeu a lidar com a tristeza e o medo de estar separado daqueles de quem mais gosta, recorrendo a “um tesouro invisível cheio de joias – pedacinhos de quem se ama”. É com esta história que Clementina espera ajudar crianças que são obrigadas a lidar com a morte de alguém próximo, de um animal de estimação ou com a separação. Foi a mais difícil de escrever, assume, já que não é fácil falar de perdas.

“Temos de olhar para os bebés como seres altamente competente­s. Não podemos pensar que não sentem ou não veem. Nestas situações, são muitas vezes deixados de parte”, indica a psicóloga, destacando que “o desapareci­mento de alguém pode gerar angústia”. A criança pode, inclusive, pensar que, a qualquer momento, os pais podem desaparece­r. “Temos de deixar que se despeça do que perdeu. Permitir que faça o luto, o que pode ser feito com um desenho para enviar para a ‘estrelinha’ ou uma carta a dizer que gosta da pessoa.”

O nível de desenvolvi­mento da criança ditará a forma como vai entender a perda ou a separação. “Deve usar-se a imaginação para explicar a situação. Fazê-lo à medida das suas capacidade­s de entendimen­to. Se ela resolver ir brincar a meio da conversa, é normal.” É a forma de lidar com a dor. “Dê-lhe tempo.” E em caso de morte, “nunca exponha a criança a um funeral”.

Quando o casal se divorcia, Clementina Almeida diz que “o ideal é que ambos expliquem que o pai e a mãe gostam muito da criança, mas deixaram de gostar um do outro. Devem dar a segurança que, nos momentos mais importante­s, vão estar os dois.” Segundo a psicóloga, entre os vários modelos de guarda partilhada há casos em que a criança passa uma semana com cada um, semanas divididas pelos dois e até situações em que é mantida a casa do casal, e pai e mãe saem alternadam­ente. Uma situação que não será viável para a maioria das famílias, mas “que preserva tudo”.

Da coleção de Clementina Almeida fazem parte os livros Duda, o Leão Que Tinha Medo e Tita,a Zebra Que não Queria Ter Riscas. Tudo começou com Olívia, a Ovelha Que não Queria Dormir. David Miranda diz que foi um dos primeiros livros que leu à filha, e ajudou a criar “um momento zen” antes de ir para a cama. Olha para “os livros como um guião para ajudar a resolver os problemas das crianças”.

 ??  ?? David Miranda, autor do blogue Duas para Um, contou ao DN as estratégia­s que usa com a filha
David Miranda, autor do blogue Duas para Um, contou ao DN as estratégia­s que usa com a filha
 ??  ?? Luca, o Hipopótamo Que não Queria Deixar as Fraldas De Clementina Almeida Ilustração: Andreia Silva Porto Editora, março 2018 PVP: 10,90 euros
Luca, o Hipopótamo Que não Queria Deixar as Fraldas De Clementina Almeida Ilustração: Andreia Silva Porto Editora, março 2018 PVP: 10,90 euros

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal