Diário de Notícias

Do bairro para a GNR ou para o ISCTE. Os miúdos que Johnson lançou

Soraia e Dário são jovens que encontrara­m um caminho depois de se terem inscrito na Academia fundada pelo ex-recluso

- RUTE COELHO

“Perdi a minha mãe cedo, não tenho contacto com o pai e sempre vivi com os meus avós no bairro do Zambujal. Portava-me mal na escola, era ‘maria-rapaz’. Um dia, o Johnson foi à minha escola dar uma palestra e eu decidi inscrever-me em 2015 na Academia que ele fundou. Apertava comigo em tudo, como um pai. Agora o meu sonho é ir para a GNR e é para isso que vou estudar.” O testemunho dado ao DN é de Soraia Mendes, 18 anos, que diz ter escolhido a carreira de militar da Guarda por “ser muito exigente”. E, admite, porque sempre gostou de “pistolas”.

De olhar vivo e expressão travessa, a jovem ainda é a miúda com as raízes no bairro do Zambujal (Alfragide, Amadora) mas já não é a “maria-rapaz” que batia em rapazes e raparigas sem mais ambições do que ser rebelde. Foi a Academia do Johnson, sediada no bairro do Zambujal, que lhe deu um projeto de vida.

O João Semedo Tavares, mais conhecido por Johnson, ex-recluso com 46 anos, inspirou milhares de outros miúdos dos bairros desfavorec­idos do concelho da Amadora a seguirem um sonho, através da Academia mas também das palestras que tem dado em escolas através do Projeto Escolhe Viver, promovido pela farmacêuti­ca Abbvie com o apoio da Câmara Municipal da Amadora .

“Eu tenho quatro filhos mas também considero os miúdos da Academia como meus filhos. Os casos de sucesso enchem-nos a alma e o coração”, conta Johnson, que recebeu o DN no espaço que fundou. Em quatro anos, a Academia do Johnson apoiou e encaminhou 177 crianças e jovens dos 6 aos 18 anos através da prática do futsal e do estudo acompanhad­o nas salas de estudo que proporcion­a.

Outro caso de sucesso que Johnson gosta de citar é o de Dário, um rapaz do bairro da idade de Soraia que está a frequentar o 1.º ano do curso de História Moderna e Contemporâ­nea no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa. “Entrou com 14 valores e já tem as propinas pagas até ao final do ano porque arranjámos um patrocinad­or particular”, conta Johnson.

O jovem relatou o seu caso em vídeo para a página do Facebook da Academia: “Eu sou o Dário, tenho 18 anos e estudo História Moderna e Contemporâ­nea no ISCTE. Estou na Academia do Johnson desde 2015. Uma vez assisti a uma palestra do Johnson na Academia e não estava à espera que ele fosse falar dos projetos para os miúdos, das salas de estudo. Ele faz muito mais do que futebol. A vida dele é ajudar as pessoas cá do bairro.” O DN não o conseguiu reunir a Soraia para a reportagem porque nunca esteve contactáve­l.

Já Soraia está a terminar este ano o curso profission­al de Técnico de Desporto na Casa Pia, com o qual vai ter equivalênc­ia ao 12.º ano, e logo a seguir vai estudar durante dois anos para se preparar para o salto maior: entrar na GNR. O custo de 150 euros mensais do centro de formação onde Soraia vai estudar para se preparar para a Guarda já está assegurado por um benemérito, contou Johnson.

“As minhas notas começaram a melhorar a partir do 9.º ano. Foi então que fiz o primeiro teste psicotécni­co que deu, em primeiro lugar, Desporto ou Forças Armadas e a seguir informátic­a. E eu pensei: Forças Armadas? Eu gosto disto.” Daí até pensar na GNR foi um passo. “A Soraia sabe como chegou aqui e as dificuldad­es que teve. Apercebi-me muito depressa que a figura paternal que ela nunca teve lhe fazia muita falta para ser a âncora para chegar ao objetivo. E eu sempre fui a âncora sem ela perceber”, conta Johnson, sem disfarçar o orgulho. “Ontem mandou-me a pauta dela e eu só disse: ‘Uau.’ Só dezoitos e catorzes. Está com média final de 14 e a fazer o estágio no ginásio da Outorela.”

Mas, para Johnson, os casos de sucesso não são apenas os das carreiras convencion­ais. Tirar alguém de uma vida sem objetivos já é bom. Foi o que aconteceu com Mélanie, mãe solteira a quem arranjou estágio na Jerónimo Martins, ou com Hélder, a trabalhar para a mesma empresa como estafeta. O Johnson é visto como um herói pelas crianças, alguém que fala abertament­e da vida de droga e delinquênc­ia que levou e de como saiu. “É muito bem recebido nas escolas. Já ultrapassá­mos os dois mil alunos que assistiram às palestras do Johnson nas escolas da Amadora”, refere Fernando Bastos, diretor de assuntos externos da Abbvie Portugal e um dos responsáve­is pelo Projeto Escolhe Viver. “Vamos falar com a Câmara da Amadora para que se consiga vender a ideia a outras autarquias e replicar o modelo.”

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Em cima, Johnson com Soraia, a jovem de 18 anos que ele motivou e que agora quer ir para a GNR. Em baixo, Johnson com os miúdos no futsal. Ao lado, o cartaz do projeto na academia

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