Os sul-africanos dizem adeus à Mama Winnie mas a luta continua
Filha da ativista antiapartheid denunciou campanha de diabolização contra a mãe. Presidente Ramaphosa lamentou que o ANC tenha demorado até agora para honrar a mulher que manteve viva a imagem de Mandela
Durante a luta contra o apartheid, o Orlando Stadium no Soweto foi palco de muitos discursos fortes contra o regime branco. Ontem foi o local escolhido para mais de 40 mil sul-africanos dizerem o último adeus aWinnie Madikizela-Mandela. “Foi a minha mãe quem manteve viva a imagem do meu pai” nos 27 anos que Nelson Mandela passou na prisão, recordou Zenani Mandela-Dlamini, saudando a vida daquela que ficou conhecida como a “Mãe da Pátria” e que morreu a 2 de abril aos 81 anos. Mas se durante esses anosWinnie se tornou um ícone da luta pela libertação, após o fim do apartheid foi vilipendiada pela brutalidade dos seus métodos. Críticas de que ontem o presidente Cyril Ramaphosa se mostrou arrependido: “Lamento, Mama, que a tua organização [o Congresso Nacional Africano, ANC] tenha demorado até agora para te honrar.”
Entre os gritos de “Viva Winnie, viva!”, “a luta continua!” e “o poder para o povo!”, Zenani denunciou todos os que diabolizaram a mãe, lembrando que esta combateu e venceu “um dos regimes mais poderosos e cruéis do século passado”. E, diante do caixão coberto com a bandeira da África do Sul, não deixou de notar a discriminação de que Winnie foi alvo: “Porque não fizeram o mesmo com os seus homólogos masculinos e não recordaram ao mundo os muitos crimes que estes cometeram antes de serem chamados de santos?”
Ativista social, foi no Soweto que conheceu Nelson Mandela em 1957. Casaram no ano seguinte e teriam duas filhas, Zenani e Zindziwa. Mas dos 38 anos que duraria esta união, passaram quase três décadas separados. Uma das imagens que ficou para a história foi a deWinnie de punho erguido ao lado do marido a 11 de fevereiro de 1990 quando este saiu da prisão. Foi o momento de glória do casal que levaria quatro anos depois ao fim de séculos de domínio branco na África do Sul com a eleição de Mandela como primeiro presidente negro do país.
Mas o casamento não sobreviveria ao convívio diário. Os dois separaram-se Cerca de 40 mil pessoas encheram o Orlando Stadium no último adeus a Winnie Madikizela-Mandela. O presidente Cyril Ramaphosa consolou as filhas da ativista antiapartheid, Zenani e Zindziwa em 1992, tendo assinado o divórcio quatro anos depois. Mandela voltaria a casar-se em 1998 com Graça Machel, a viúva de Samora Machel, o primeiro presidente de Moçambique. Ontem, Graça Machel foi uma das personalidades que estiveram presentes no funeral.
Os anos seguintes à libertação de Mandela foram difíceis paraWinnie. Ela que durante o apartheid chegara a ser detida por lutar pelo fim do regime, em 1991 foi condenada a seis anos de prisão pelo sequestro e agressão de quatro jovens, entre eles Stompie Sepei, que acabou por morrer. A pena foi reduzida para dois anos de pena suspensa e uma multa mas a imagem de “Mãe da Nação” ficou para sempre manchada devido à sua ligação aos homens do Mandela United Football Club, espécie de guarda pessoal sua que no final dos anos 80 impôs um reinado de terror no Soweto.
Um funeral de união Num estádio cheio, com muita gente vestida com as cores do ANC, o momento foi de uma união, rara no panorama político sul-africano. Além de Ramaphosa, estavam presentes os ex-presidentes Jacob Zuma, que se demitiu em fevereiro, pressionado pelo próprio partido após vários casos de corrupção, e Thabo Mbeki. Se Ramaphosa destacou Winnie como um verdadeiro “baluarte” da luta contra o apartheid, foi Julius Malema quem arrancou mais aplausos à multidão. O antigo presidente da Juventude do ANC e agora líder dos Combatentes da Liberdade Económica saudou uma mulher que se soube manter “revolucionária” até à morte. Malema sublinhou que Winnie, de quem era muito próximo, “nunca se deixou comprar” e denunciou a hipocrisia daqueles que a traíram em vida e agora choram a sua morte.
Entre a multidão, também não se escondia a admiração por Winnie. “Ela era o nosso melhor soldado”, garantiu à AFP Brian Magqaza, de 53 anos. E Cullen Butler, de 27 e um dos poucos brancos presentes no estádio, lembrou a mulher que “nos ensinou a mantermo-nos fiéis às nossas convicções”. O fim da cerimónia coincidiu com uma violenta trovoada, interpretada como uma bênção por muitos dos que seguiram a dançar o caixão até ao cemitério de Fourways Memorial Park.