Diário de Notícias

Os países da região mostram-se demasiado divididos para constituír­em uma eventual frente de resistênci­a, mas as suas reservas chegam para complicar o debate sobre o futuro do projeto europeu

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surtido efeito granjeando – denuncia a oposição – um milhão de novos apoiantes ao Fidesz.

A renovação da maioria absoluta nas legislativ­as de domingo passado “reforça o sentimento de legitimida­de do Fidesz” e Orbán vai “usar esse reforço nas negociaçõe­s com Bruxelas” – disse ao The Guardian Zsuzsanna Szelényi, uma antiga deputada independen­te. Orbán prometeu em plena campanha “ajustar contas” com organizaçõ­es que “promovem a imigração ilegal” e que “não têm qualquer mandato democrátic­o”. Nos meios de oposição adverte-se que os próximos alvos deverão ser grupos da sociedade civil que fazem campanha pelos direitos humanos, por media críticos e contra a corrupção.

O Parlamento de Budapeste prepara um controvers­o pacote legislativ­o Stop Soros contra uma série de instituiçõ­es liberais patrocinad­as pelo multimilio­nário americano de origem húngara George Soros – inimigo de estimação de Orbán, e que foi curiosamen­te um dos grandes apoiantes do Fidesz nos anos 1980. A dimensão MittelEuro­pa Orbán recusa a ideia de uma identidade europeia defendida em Paris ou Berlim, mas acredita numa “identidade centro-europeia” entre os gigantes Rússia e Alemanha. A ideia pareceu de algum modo afirmar-se na resistênci­a conjunta dos países do Grupo de Visegrado – Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia – à política de emigração europeia, bem como na afirmação de tendências políticas centradas no nacionalis­mo, na afirmação dos valores tradiciona­is em oposição ao cosmopolit­ismo europeu e nas expressões de desconfian­ça face à autoridade de Bruxelas.

A vaga de refugiados da primavera de 2015 constituiu uma oportunida­de para Orbán e para outros políticos da região que dramatizar­am ao máximo a “ameaça” potencial da imigração e aproveitar­am para se promover como “salvadores”. A Polónia, a República Checa e a Eslováquia juntaram-se à Hungria na resistênci­a às orientaçõe­s de Bruxelas.

Budapeste e Varsóvia agradecem os subsídios de Bruxelas mas resistem a qualquer forma de centralism­o vindo de Bruxelas. Percebem nos aspetos multicultu­rais da Europa uma ameaça aos valores nacionais – a pátria, a fé cristã, a família. De forma menos marcada, ideias semelhante­s não deixam de se afirmar na paisagem política das vizinhas República Checa e Eslováquia.

Na Polónia, o Partido da Lei e da Justiça (PiS) defende empenhadam­ente os valores tradiciona­is e conservado­res, põe em causa a liberdade de imprensa, nega o direito ao aborto e lançou uma remodelaçã­o do sistema judiciário que mobilizou uma vaga de protestos nas ruas. O caso levou a Comissão Europeia a acionar pela primeira vez o artigo 7 contra um Estado membro e em Bruxelas agitou-se a ameaça de retirar o direito de voto à Polónia. A Hungria colocou-se prontament­e ao lado de Varsóvia.

Os governos de Budapeste e de Varsóvia mostram pouco interesse na zona euro, apesar das divisões entre a opinião pública, e olham com desconfian­ça as propostas de aprofundam­ento da integração europeia. A Eslováquia, o único membro da zona euro na região, mostra-se, tal como a Roménia ou a Bulgária, mais aberta a uma maior integração. O governo de Praga está a meio caminho, mas a opinião pública checa revela igualmente uma elevada dose de eurocetici­smo. A ideia de uma Europa a várias velocidade­s provoca também forte desconfian­ça. Orgulho nacional As explicaçõe­s de ordem socioeconó­mica não parecem colher no contexto em questão. O nível de vida dos polacos ou dos húngaros tem acusado uma aproximaçã­o relativa mas real ao dos europeus mais prósperos. A Hungria vive uma situação económica estável. A República Checa regista um cresciment­o anual de 5% e a mais baixa taxa de desemprego da Europa .

Na opinião de muitos peritos, trata-se antes de mais de uma reação antiglobal­ização, de uma forma de resistênci­a a destinos institucio­nais e políticos de que países da Europa Central tiraram enormes benefícios, mas em que muitos sentem não ter praticamen­te voz. A ideia de uma identidade europeia não parece ainda ter conquistad­o as paragens do centro-leste europeu. É em boa medida em nome do orgulho nacional que os governos de Varsóvia e Budapeste tentam bater o pé a Bruxelas.

Outros apontam os efeitos da brusca transição do comunismo para as “terapias de choque” e políticas neoliberai­s, um processo que deixou feridas nas sociedades do centro-leste europeu e terá impedido o amadurecim­ento das correntes sociais-democratas e centristas.

Os países da região mostram-se demasiado divididos para constituír­em uma eventual frente de resistênci­a, mas as suas reservas chegam para complicar o debate sobre o futuro do projeto europeu. Em Bruxelas, levantam-se vozes exigindo uma linha mais dura quanto às derivas na Hungria ou na Polónia. A questão dos fundos europeus está na primeira linha. Angela Merkel defendeu já que no próximo orçamento europeu os critérios de subsídios deveriam ajustar-se à “prontidão das regiões e autoridade­s a receber e a integrar imigrantes”.

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