“MISSÃO CUMPRIDA”, DIZ TRUMP. RÚSSIA CONTRA-ATACA NA ONU
Entrevista a Luís Nuno Rodrigues Análise de Leonídio Paulo Ferreira
Há pouco mais de um ano, o presidente norte-americano, Donald Trump, disparou 58 mísseis contra uma base aérea na Síria a partir de onde teria partido um ataque químico contra civis. Um dia depois, os aviões sírios já descolavam dessa mesma base para continuar a atacar alvos rebeldes. Na madrugada de ontem, Reino Unido e França aliaram-se aos EUA em mais uma resposta militar contra outro ataque químico, disparando o dobro dos mísseis e atingido locais onde estas armas seriam fabricadas e armazenadas, com Trump a declarar “missão cumprida”. Mas, tal como há um ano, o ataque arrisca a ter um impacto limitado, com os líderes aliados a reconhecer que o objetivo não é derrubar Bashar al-Assad mas dissuadi-lo de voltar a usar estas armas.
Trump fazia uma declaração aos norte-americanos quando, a milhares de quilómetros de distância, na Síria, pelas 03.00, os mísseis começaram a cair em Damasco e nos arredores de Homs. Segundo fontes da Reuters, os alvos foram locais que já tinham sido evacuados há vários dias graças aos avisos da Rússia, aliada de Assad. O presidente norte-americano disse que os EUA “estão preparados para manter esta resposta até o regime sírio parar o uso de agentes químicos proibidos” como os que alegadamente terão sido usados a 7 de abril, em Douma, provocando cerca de 70 mortos.
A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, reiterou essa ideia. “Estamos confiantes de que danificámos o programa de armas químicas da Síria. Estamos preparados para manter esta pressão, se o regime sírio for louco o suficiente para pôr à prova a nossa paciência”, afirmou durante uma reunião de emergência do Conselho de Segurança. “Se o regime sírio usar este gás outra vez, os EUA têm as armas carregadas”, acrescentou.
A discussão na ONU ocorreu a pedido da Rússia, que exigiu a votação de uma resolução a condenar “a agressão contra a Síria” no Conselho de Segurança – onde EUA, Reino Unido e França têm poder de veto e, por isso, era certo que não iria passar. Após uma semana de tensão, com ameaças da parte de Trump e a promessa dos russos de responderem a qualquer ataque ao seu aliado, a primeira reação de Moscovo foi contudo diplomática. Na ONU, a resolução russa teve apenas o apoio da China e da Bolívia, com oito países a votar contra e quatro abstenções (Etiópia, Cazaquistão, Peru e Guiné Equatorial).
O presidente russo,Vladimir Putin, que foi avisado previamente do ataque, reagiu através de comunicado, condenando “uma agressão contra um estado soberano que está na linha da frente da luta contra o terrorismo”. E lembrou que não teve a luz verde do Conselho de Segurança e foi feito violando a carta da ONU. Os alvos de Washington, Londres e Paris foram escolhidos a dedo para evitar uma escalada no conflito com Moscovo.
O clima é de Guerra Fria, como já avisara na véspera do ataque o secretário-geral da ONU, António Guterres. Além da situação na Síria, também o ataque com gás nervoso contra o ex-espião russo Sergei Skripal e a filha, no Reino Unido, tem gerado conflito com Moscovo (que nega as acusações). Em Londres, a primeira-ministra Theresa May ficou debaixo de fogo por ter agido sem a luz verde do Parlamento britânico – em 2013, David Cameron viu os deputados rejeitarem qualquer ação militar contra Assad. O líder do Labour, Jeremy Corbyn, defendeu que não havia qualquer base legal para o ataque da madrugada, mas May reiterou em conferência de imprensa que este foi limitado e apenas como resposta ao uso de armas químicas.
Também o presidente francês, Emmanuel Macron, enfrenta as críticas desde a extrema-esquerda até à extrema-direita. Mas , depois de ter dito que o uso de armas químicas representava uma “linha vermelha”, arriscava perder credibilidade caso não ficasse ao lado dos EUA. Agora, Paris defende um trabalho diplomático conjunto no Conselho de Segurança para procurar uma “solução política” com a Rússia, segundo o Palácio do Eliseu.
Manhã de resiliência Assad limitou-se a denunciar o ataque de madrugada como uma
“agressão” que só “reforça” a sua “determinação para continuar a lutar e a esmagar o terrorismo” – graças ao apoio militar da Rússia e do Irão conseguiu, nos últimos três anos, virar a guerra a seu favor. O presidente sírio quis passar uma imagem de normalidade (sendo filmado pela televisão estatal a entrar no escritório com a legenda “manhã de resiliência”) e, mais tarde, os media anunciaram a entrada das forças de segurança do regime em Douma, último bastião dos rebeldes em Ghouta.Vários apoiantes de Assad vieram para as ruas condenar o ataque dos aliados.
Além de Moscovo, outra das potências com interesses na região é o Irão. O líder supremo, ayatollah Ali Khamenei, considerou o ataque como um crime. “Declaro que o presidente dos EUA, o presidente da França e a primeira-ministra britânica são criminosos”, afirmou num discurso. “Não vão beneficiar, tal como não tiveram quaisquer ganhos ou benefícios de terem ido para o Iraque, a Síria ou o Afeganistão no passado”, acrescentou.
Do outro lado da barricada, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, felicitou num comunicado os EUA, Reino Unido e França por provarem “que o seu compromisso não se limita à proclamação de princípios”. E avisou para o risco que representa para a Síria a “base avançada” que o Irão e os seus representantes – referindo-se ao Hezbollah – estão a criar no país.