Diário de Notícias

“MISSÃO CUMPRIDA”, DIZ TRUMP. RÚSSIA CONTRA-ATACA NA ONU

Entrevista a Luís Nuno Rodrigues Análise de Leonídio Paulo Ferreira

- SUSANA SALVADOR

Há pouco mais de um ano, o presidente norte-americano, Donald Trump, disparou 58 mísseis contra uma base aérea na Síria a partir de onde teria partido um ataque químico contra civis. Um dia depois, os aviões sírios já descolavam dessa mesma base para continuar a atacar alvos rebeldes. Na madrugada de ontem, Reino Unido e França aliaram-se aos EUA em mais uma resposta militar contra outro ataque químico, disparando o dobro dos mísseis e atingido locais onde estas armas seriam fabricadas e armazenada­s, com Trump a declarar “missão cumprida”. Mas, tal como há um ano, o ataque arrisca a ter um impacto limitado, com os líderes aliados a reconhecer que o objetivo não é derrubar Bashar al-Assad mas dissuadi-lo de voltar a usar estas armas.

Trump fazia uma declaração aos norte-americanos quando, a milhares de quilómetro­s de distância, na Síria, pelas 03.00, os mísseis começaram a cair em Damasco e nos arredores de Homs. Segundo fontes da Reuters, os alvos foram locais que já tinham sido evacuados há vários dias graças aos avisos da Rússia, aliada de Assad. O presidente norte-americano disse que os EUA “estão preparados para manter esta resposta até o regime sírio parar o uso de agentes químicos proibidos” como os que alegadamen­te terão sido usados a 7 de abril, em Douma, provocando cerca de 70 mortos.

A embaixador­a dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, reiterou essa ideia. “Estamos confiantes de que danificámo­s o programa de armas químicas da Síria. Estamos preparados para manter esta pressão, se o regime sírio for louco o suficiente para pôr à prova a nossa paciência”, afirmou durante uma reunião de emergência do Conselho de Segurança. “Se o regime sírio usar este gás outra vez, os EUA têm as armas carregadas”, acrescento­u.

A discussão na ONU ocorreu a pedido da Rússia, que exigiu a votação de uma resolução a condenar “a agressão contra a Síria” no Conselho de Segurança – onde EUA, Reino Unido e França têm poder de veto e, por isso, era certo que não iria passar. Após uma semana de tensão, com ameaças da parte de Trump e a promessa dos russos de respondere­m a qualquer ataque ao seu aliado, a primeira reação de Moscovo foi contudo diplomátic­a. Na ONU, a resolução russa teve apenas o apoio da China e da Bolívia, com oito países a votar contra e quatro abstenções (Etiópia, Cazaquistã­o, Peru e Guiné Equatorial).

O presidente russo,Vladimir Putin, que foi avisado previament­e do ataque, reagiu através de comunicado, condenando “uma agressão contra um estado soberano que está na linha da frente da luta contra o terrorismo”. E lembrou que não teve a luz verde do Conselho de Segurança e foi feito violando a carta da ONU. Os alvos de Washington, Londres e Paris foram escolhidos a dedo para evitar uma escalada no conflito com Moscovo.

O clima é de Guerra Fria, como já avisara na véspera do ataque o secretário-geral da ONU, António Guterres. Além da situação na Síria, também o ataque com gás nervoso contra o ex-espião russo Sergei Skripal e a filha, no Reino Unido, tem gerado conflito com Moscovo (que nega as acusações). Em Londres, a primeira-ministra Theresa May ficou debaixo de fogo por ter agido sem a luz verde do Parlamento britânico – em 2013, David Cameron viu os deputados rejeitarem qualquer ação militar contra Assad. O líder do Labour, Jeremy Corbyn, defendeu que não havia qualquer base legal para o ataque da madrugada, mas May reiterou em conferênci­a de imprensa que este foi limitado e apenas como resposta ao uso de armas químicas.

Também o presidente francês, Emmanuel Macron, enfrenta as críticas desde a extrema-esquerda até à extrema-direita. Mas , depois de ter dito que o uso de armas químicas representa­va uma “linha vermelha”, arriscava perder credibilid­ade caso não ficasse ao lado dos EUA. Agora, Paris defende um trabalho diplomátic­o conjunto no Conselho de Segurança para procurar uma “solução política” com a Rússia, segundo o Palácio do Eliseu.

Manhã de resiliênci­a Assad limitou-se a denunciar o ataque de madrugada como uma

“agressão” que só “reforça” a sua “determinaç­ão para continuar a lutar e a esmagar o terrorismo” – graças ao apoio militar da Rússia e do Irão conseguiu, nos últimos três anos, virar a guerra a seu favor. O presidente sírio quis passar uma imagem de normalidad­e (sendo filmado pela televisão estatal a entrar no escritório com a legenda “manhã de resiliênci­a”) e, mais tarde, os media anunciaram a entrada das forças de segurança do regime em Douma, último bastião dos rebeldes em Ghouta.Vários apoiantes de Assad vieram para as ruas condenar o ataque dos aliados.

Além de Moscovo, outra das potências com interesses na região é o Irão. O líder supremo, ayatollah Ali Khamenei, considerou o ataque como um crime. “Declaro que o presidente dos EUA, o presidente da França e a primeira-ministra britânica são criminosos”, afirmou num discurso. “Não vão beneficiar, tal como não tiveram quaisquer ganhos ou benefícios de terem ido para o Iraque, a Síria ou o Afeganistã­o no passado”, acrescento­u.

Do outro lado da barricada, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, felicitou num comunicado os EUA, Reino Unido e França por provarem “que o seu compromiss­o não se limita à proclamaçã­o de princípios”. E avisou para o risco que representa para a Síria a “base avançada” que o Irão e os seus representa­ntes – referindo-se ao Hezbollah – estão a criar no país.

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Um bombeiro apaga as chamas do ataque de EUA, Reino Unido e França contra o Centro de Pesquisa Científica de Damasco

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