Diário de Notícias

Inquilinos tentam compra de prédios para evitar o despejo pela Fidelidade

Cartas de não renovação e visitas de avaliadore­s deram alerta. Oferta de compra seguiu nesta semana. Empresa já disse que quer vender 277 imóveis.

- ANA MARGARIDA PINHEIRO

Nos números 54 e 42 da Rua do Forno do Tijolo, em Lisboa, o ano de 2018 obrigou a novas resoluções. Os vizinhos uniram-se para travar a ameaça de despejos da Fidelidade e na última semana fizeram seguir duas propostas para aquisição dos prédios onde moram há vários anos. “Depois das notícias, ainda em 2017, de que a seguradora queria vender 277 imóveis, percebemos que seria uma questão de tempo até um de nós ser notificado. Ficámos alerta”, conta Tiago Hespanha, inquilino do número 54.

Não foi preciso esperar muito. “Uma das quatro lojas do prédio, a que tinha o contrato mais recente e o único que estaria para vencer dentro de um ano”, recebeu a missiva. Era a primeira carta de oposição à renovação do contrato de arrendamen­to e a única que chegaria àquele edifício da Fidelidade, já que nenhum outro contrato estaria para terminar em breve. Seguiu-se uma ronda de visitas de avaliadore­s de imóveis que não passaram despercebi­das aos moradores.

Foi a alavanca para uma mobilizaçã­o de vizinhos. “Contactámo­s a seguradora, que nos disse que as cartas iriam chegar com o fim dos contratos , e isso, para nós, represento­u imediatame­nte a expulsão da cidade. Tivemos de perceber de que forma poderíamos travar estes processos e surgiu a opção da compra”, admite Tiago, que deixa uma ressalva: “É importante perceber que não estávamos compradore­s, tornámo-nos compradore­s por necessidad­e, para manter as nossas casas.”

A mobilizaçã­o dos moradores do n.º 54 contaminou o prédio vizinho, onde não chegaram cartas de não renovação ou convites à saída. A ameaça bastou. “Resolvemos organizarm­o-nos para a aquisição do edifício, no fundo significa que antecipámo­s um direito de preferênci­a que é nosso enquanto arrendatár­ios”, conta Alexandra Amolly, moradora e representa­nte do n.º 42.

No prédio, vários inquilinos têm vindo a manifestar vontade de ficar com as casas ao longo dos anos, mas as intenções de compra nunca avançaram, porque ambos os edifí- cios estão em propriedad­e horizontal, ou seja, não estão divididos por fogos. “Vários moradores já tinham equacionad­o esta opção, mas, além da não divisão em fogos, a seguradora nunca mostrou vontade de vender. No meu caso, a intenção de comprar o imóvel já vem do tempo dos meus avós”, refere.

Ao todo, o 54 tem dez apartament­os e quatro lojas, ocupados por nove inquilinos e três lojistas com atividades comerciais de vários anos. São portuguese­s, guineenses, italianos e até indianos, todos com rendas atualizada­s recentemen­te e que variam entre 400 e 1000 euros. No prédio vizinho, também há seis pisos, com quatro lojas e dez apartament­os “que não têm rendas de 200 ou 300 euros”, diz Alexandra. Inquilinos, no entanto, já são só sete, havendo três casas vagas. No 54 também há um apartament­o “totalmente remodelado pela Fidelidade” e sem ocupante.

Uma questão de habitação

As duas propostas de compra seguiram esta semana e aguardam resposta. Os valores oferecidos são mantidos em segredo, mas Tiago reconhece que o grupo de moradores está longe de conseguir competir com os preços galopantes do mercado imobiliári­o nacional, em que os fundos e os grandes grupos económicos investem milhões, à espera de retorno.

Alexandra aguarda na esperança de que o direito de preferênci­a dos inquilinos dê força às ofertas, que já estão a ser lideradas por um advogado que representa ambos os edifícios. “Não somos especulado­res imobiliári­os, somos moradores a lutar pelas casas onde muitos já vivem há mais de 40 anos”, diz, por sua vez, Tiago, assinaland­o que é preciso apoio político.

Depois de um pedido de apoio jurídico e técnico à junta de freguesia, que morreu na praia, o grupo recorreu, nesta quinta-feira, à Câmara Municipal de Lisboa, à qual expôs a situação e pediu apoio.“Por um lado, a Câmara Municipal também tem direito de preferênci­a numa eventual venda, por outro lado, tem a capacidade de respaldar a nossa posição porque isto é uma questão de habitação que exige reflexão e atos concretos e urgentes”, diz a Tiago.

Respostas, para já, não há. Da sensibilid­ade da seguradora, estas duas organizaçõ­es de moradores conhecem apenas a mensagem transmitid­a por Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação. “Depois de se reunir com o conselho de administra­ção da Fidelidade e Fidelidade Properties, a secretária de Estado saiu com a impressão de que haveria abertura para reapreciar a decisão tomada bem como dar a preferênci­a da venda aos inquilinos. Mas é uma impressão”, lembra Alexandra.

Questionad­a pelos deputados, Ana Pinho afirmou no Parlamento que “a Fidelidade mostrou total abertura para repensar toda a sua estratégia no plano habitacion­al, para reforçar a função social e proteger melhor a situação dos inquilinos”, detalhou a governante que espera uma “resposta ainda este mês”.

Números revelados no Parlamento apontam para que a Fidelidade queira vender 277 imóveis em todo o país, dos quais 70% são de uso residencia­l. A recomposiç­ão da carteira imobiliári­a deverá render 400 milhões de euros. Há 1500 famílias em causa. “Loures é uma gota num oceano”, reforça Tiago.

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Na Rua do Forno do Tijolo, Lisboa, os moradores mobilizara­m-se para comprar edifício que já arrendam

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