Diário de Notícias

“COCHE DE D. JOÃO NO BRASIL ESTÁ EM LISBOA. VOLTOU JUNTO COM O REI”

PAULO KNAUSS DE MENDONÇA

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Diretor do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, Paulo Knauss de Mendonça esteve em Lisboa para combinar o empréstimo de retratos de D. JoãoVI para uma grande exposição dedicada aos 200 anos da sua aclamação como rei, que aconteceu no Brasil. O historiado­r considera o monarca fundamenta­l para que até hoje o Brasil seja um grande país.

Está em Lisboa como diretor do Museu Histórico Nacional a preparar uma grande exposição sobre os 200 anos da aclamação de D. João VI no Rio de Janeiro. O que tem estado a pedir aos museus portuguese­s? Estamos preparando uma exposição para celebrar a memória de João VI no Brasil, apresentan­do o conjunto de retratos do rei. A exposição vai chamar-se O Retrato do Rei D. João VI e pretende reunir o maior número de retratos de D. João, talvez mais de 40. D. João VI tem uma relação muito particular com o mundo dos retratos porque não só ele esteve no poder muito tempo, mas foi uma época em que devido às condições políticas fez que ele caracteriz­asse o seu governo com uma multiplici­dade de programas artísticos. Primeiro em torno do Palácio da Ajuda, aqui em Portugal, depois um programa cultural que ele tenta de-senvolver no Brasil quando chega, e por fim o programa artístico que vai ser desenvolvi­do depois do retorno para Portugal. Há quadros em Portugal essenciais para essa exposição? Há vários quadros que estamos pedindo, também para apresentar num primeiro momento a biografia dele, retratos dele criança, jovem, regente, rei e já depois do período das cortes, aqui de volta, assim como quadros que sejam capazes de representa­r a história política do reinado, que se verifica sobretudo no caso dos retratos com combinação de insígnias que ele carrega no peito. E depois também há a dimensão artística dos retratos, não só a questão do artista com as suas variantes, o rei equestre, pedestre, em trajes militares, etc., mas também o facto de D. JoãoVI ter sido pintado por artistas de escolas muito distintas. Em que instituiçõ­es portuguesa­s é que estão esses quadros? No Museu de Arte Antiga, no Museu dos Coches, no Palácio da Ajuda, no Palácio de Queluz, também em Mafra. E no Brasil também estamos a recolher retratos que estão em diferentes instituiçõ­es. Claro que no Museu Histórico Nacional temos alguns retratos emblemátic­os como o do casal real de mãos entrelaçad­as, Carlota Joaquina e D. João, que é uma representa­ção raríssima. Mas além disso exibiremos retratos que estão em coleções particular­es e em outros museus como o Imperial de Petrópolis, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Paranaense. Também estarão lá retratos que pertencem à Embaixada de Portugal. Haverá um retrato surpreende­nte? A grande surpresa da exposição vai ser uma tela esquecida de D. João que encontrámo­s e a exposição vai terminar justamente num ateliê aberto em que essa tela vai estar a ser restaurada. É uma tela de grande formato, e que na verdade é a cópia de uma outra de um pintor italiano feita no início do século XIX em Portugal e que foi para o Brasil com o conde da Barca que encomendou a cópia. A grande diferença é que é um retrato de D. João com as plantas do Palácio da Ajuda e uma estátua de Minerva e ao lado uma janela, e na tela original vê-se um ângulo da Praça do Comércio, com a estátua de D. José, e na cópia brasileira, no lugar da paisagem lisboeta está a paisagem carioca com a Baía do Guanabara com o Pão de Açúcar, que por coincidênc­ia era a vista do palacete do conde da Barca. O extraordin­ário desta história é que essa tela foi feita por um artista brasileiro pardo, que terminou sendo envolvido na revolução de 1817 de Pernambuco como pintor dos revolucion­ários e se salvou porque se agarrou a um retrato de D. João VI que tinha feito e quando chegou o governador enviado pelo rei ele mostrou que era só um pintor, não era um revolucion­ário, que do mesmo modo que tinha pintado cenários revolucion­ários também tinha pintado o rei e com isso obteve clemência. Não conhecemos mais da história do autor a não ser por uma tela de 1820 que está em Portugal, no Palácio da Brejoeira . D. João VI foi extraordin­ário, não tivesse sido ele e a mãe, D. Maria I, os primeiros monarcas a cruzar o Atlântico. É por isso que figura num quadro com uma paisagem lisboeta e noutro com uma carioca. Como historiado­r, que síntese faz do rei? A primeira observação fundamenta­l é o facto de que D. João e o seu governo atravessou épocas muito distintas. É um rei que se aclamou na América, o que já é uma originalid­ade absoluta mas que também passou incólume em certa medida pelo contexto napoleónic­o. E, como gosto de ressaltar, não é só um rei que conseguiu dar a volta a Napoleão com a migração da corte para o Rio de Janeiro mas também foi capaz de derrotar Napoleão em duas frentes militares: na Guiana Francesa e na Banda Oriental, o atual Uruguai. Isso numa geografia gigante, porque uma guerra foi feita na Amazónia e outra na região do Prata. São vitórias extraordin­árias e que ressaltam a capacidade militar que D. João conseguiu implementa­r na sua temporada brasileira. Banda Oriental que era parte de uma Espanha que tinha então um irmão de Napoleão como rei... Certo. A presença de D. João 13 anos no Brasil e o facto de o filho, D. Pedro, crescer lá e proclamar a independên­cia sob a forma de império é decisiva para aquilo que o Brasil é hoje: um país unido, que não se fragmentou como a América espanhola? Não há dúvida. D. João para o Brasil representa o processo de centraliza­ção da metrópole. Não só ocorre a migração da corte mas de todo o aparato administra­tivo colonial, que passa a ser centraliza­do no Rio, e isso fez que as colónias se reunissem todas no Rio de Janeiro e confirmou uma unidade não geográfica mas política e administra­tiva no Brasil, que até então não existia porque todas as capitanias reportavam diretament­e a Lisboa e a partir da migração da corte é que ocorre a centraliza­ção do regime administra­tivo das terras brasileira­s. A unidade territoria­l que configura a unidade política do Brasil enquanto Estado nacional emerge do governo de D. João VI. Talvez aí a grande questão que se tenha colocado para a afirmação da autoridade de D. João é que as cortes portuguesa­s não migraram juntas, e foi aí que o reinado enfrentou o seu dilema principal e que terminou conduzindo-o a retornar a Portugal. No seu museu há um coche mas não é de D. João. É de quem? É de D. José, o irmão mais velho de D. João. É um coche com uma história inusitada porque foi comprado como carruagem funerária e ao chegar ao museu descobriu-se que tinha uma pintura por baixo e pôde identifica­r-se que era de D. José, o príncipe que possivelme­nte se teria tornado rei antes de D. João e que o destino fez que morresse cedo. O coche que D. João usava… Está aqui no Museu dos Coches, voltou do Brasil junto com o rei. Este Museu dos Coches em Lisboa é mesmo único no mundo? Com certeza! A coleção é espetacula­r e é um exemplo de que a aproximaçã­o do Brasil a Portugal continua a ter nos nossos dias a possibilid­ade de representa­r uma solução positiva, porque afinal de contas é a coleção de coches mais linda do mundo e que ganhou como sede o edifício de um arquiteto brasileiro premiado internacio­nalmente.

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D. João e Carlota Joaquina, um casal às avessas na vida real
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pelo Museu dos Coches
O historiado­r Paulo Knauss de Mendonça tem fascínio pelo Museu dos Coches

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