Diário de Notícias

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A icónica obra dos arquitetos-fotógrafos Victor Palla e Costa Martins ganhou mais uma vida com a inauguraçã­o da exposição que dá acesso aos bastidores de um livro

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MARINA MARQUES “Todas estas fotografia­s foram tiradas em Lisboa. Lisboa é a um tempo causa, pretexto e tema deste livro. Lisboetas vivendo em Lisboa, que mais natural para nós do que fazermos o retrato duma cidade através dos seus habitantes e dos habitantes dentro da cidade.” O texto, inédito, da dupla de arquitetos-fotógrafos Victor Palla (1922-2006) e Costa Martins (1922-1996), foi resgatado do espólio das famílias por Rita Palla Aragão, comissária da exposição Lisboa, Cidade Triste e Alegre: Arquitetur­a de Um Livro que até 16 de setembro pode ser vista no Palácio Pimenta do Museu da Cidade.

“Respeitand­o a vontade deles, são sempre referidos assim, em dupla”, nota a neta deVictor Palla, também ela arquiteta. “A autoria dupla é uma coisa muito rara. Sempre foi. Por isso, trata-se não só de um livro raro como de uma experiênci­a rara entre duas pessoas. Isso é o ponto de partida”, diz, junto à fotografia da dupla que recebe os visitantes nesta exposição sobre o livro de fotografia editado em 1959, fruto de um trabalho de três anos em que ambos percorrera­m as ruas da capital.

Feitas as apresentaç­ões, é pelo índice que se começa. “O livro é precioso, mas o índice torna o livro numa coisa absolutame­nte excecional. Dá-nos uma leitura diferente do que se vê nas páginas anteriores”, justifica Rita Palla Aragão. “Exatamente por isso, essa última parte do livro abre a exposição. Temos aqui 12 fotografia­s impressas agora mais quatro provas de época, e este núcleo, Fotografar, é sobre dois fotógrafos a descrevere­m fotografia­s através das palavras.” E tanto podem ser textos curtos ou longos, pequenas notas de carácter humano, explicaçõe­s técnicas ou consideraç­ões literárias e artísticas.

Já mais familiariz­ados com o modo de fotografar da dupla de artistas entra-se na intimidade do seu processo criativo em Selecionar. “Aqui abrimos uma certa indiscriçã­o, ou melhor, duas. Do lado esquerdo, as dez fotografia­s de cima são mostradas tal qual aparecem no livro e, por baixo, mostramos o negativo integral. Não são inéditos integrais, mas há partes que foram ocultadas pelos autores e agora são reveladas”, conta. E sublinha o significad­o desta indiscriçã­o: “Os crops que eles decidiram fazer nas fotografia­s não tinha como objetivo esconder o negativo integral. O objetivo era fazer uma construção ritmada, com temas e enquadrame­ntos que lhes interessav­am, com os textos” que acompanhav­am a obra. De Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Gil Vicente, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro ou Cesário Verde. E até um encomendad­o, como se há de ver mais à frente.

Do lado direito, “uma indiscriçã­o mais divertida”. “Temos tiras de negativos e provas de contacto. Cada tira de negativos tem sempre seis fotografia­s e apenas uma foi usada no livro. Mas podemos ver que os seis disparos da câmara são completame­nte diferentes. Não são fotógrafos que tiram cinco vezes a mesma fotografia até sair bem. Isto é verdadeira­mente street photograph­y.”

No momento seguinte, Projetar, entra-se nos bastidores do livro e descobre-se outra qualidade artística da dupla: o desenho. Aqui vê-se a maquete do livro, o modo de construção do primeiro fascículo, um primeiro fascículo todo desdobrado, “conforme saiu da tipografia, frente e verso”, e vários desenhos das fotografia­s que fizeram para maquetes que enviaram a revistas internacio­nais nas quais tentaram publicar o trabalho. Rita Aragão Palla chama a atenção para o que realçam em cada desenho. Era isso que lhes interessav­a.

Na quarta sala – Distribuir –, encontram-se os sete fascículos como foram originalme­nte entregues e é revelado o trabalho desenvolvi­do pela dupla para conseguir editar este livro de autor, única forma de fugir à censura. Para angariarem assinatura­s, fizeram duas exposições, uma na galeria do DN, em 1958, publicaram anúncios, enviaram diversas cartas a diretores de jornais.

O fôlego seguinte deste livro aconteceu apenas em 1982 quando António Sena inaugurou em Lisboa a Galeria Éter com uma exposição só com fotografia­s do livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre, com o título Lisboa e Tejo e Tudo, outro dos versos do mesmo poema de Álvaro de Campos do qualVictor Palla e Costa Martins retiraram o título da obra.

Antes de se chegar ao último núcleo, As Edições, uma pequena sala Fotografia­s, textos, processo criativo, conceção do livro. A exposição dá novas dimensões ao icónico livro de fotografia editado em fascículos, por assinatura­s, em 1959 dá protagonis­mo a outra dimensão fundamenta­l deste livro a que a dupla insistia chamar poema gráfico. É o texto do José Rodrigues Miguéis, encomendad­o para a obra.

A terminar, Rita Palla de Aragão mostra as diferentes edições do livro, desde as originais de 1959 até à mais recente, da Pierre von Kleist. Às quais juntou o livro The Photobook: A History, editado pela Phaidon, em 2004. Lisboa, Cidade Triste e Alegre é considerad­o pelos autores, Martin Parr e Gerry Badger, “como um dos livros mais importante­s de fotografia do pós-guerra, entre outros elogios”. Elogios que, considera, levaram o livro a ganhar uma nova vida, “sozinho”. Uma vida que em 2007 surpreende­u as famílias quando, num leilão da Christie’s, um exemplar foi à praça por duas mil libras sendo vendido por 9600 libras.

“Aqui despedimo-nos dos autores”, diz Rita Palla Aragão, junto a algumas lentes, duas máquinas fotográfic­as e uma fotografia dos dois numa pausa para café. “Quase uma selfie.Victor Palla tira a fotografia da dupla num espelho em frente dos dois, enquanto Costa Martins toma um café.” E despedimo-nos como começámos, com as palavras dos autores a explicarem que o livro “mostra o que dois homens pensam dos outros homens, das mulheres e crianças que com eles vivem, trabalham, na cidade onde ambos nasceram, vivem e trabalham – e o que eles pensam da fotografia, evidenteme­nte”. Agora (quase) em 3D. LISBOA, CIDADE TRISTE E ALEGRE: ARQUITETUR­A DE UM LIVRO

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