“VAMOS CRIAR UM NOVO BROWSER. QUEREMOS REVOLUCIONAR O MUNDO”
Foi um dos rostos dos tempos em que parecia tudo correr bem. Deram-lhe o Prémio Pessoa, condecoraram-no, descreveram-no como visionário. Depois foi a crise, a YDreams passou a ser tratada como uma desilusão. É do alto dos seus 1,90 metros que revela como investidores canadianos, que acreditaram no valor destes imaginadores, permitiu mudar o rumo das coisas. Não faz a coisa por menos: quer a revolução, com o anarquista russo Kropotkin como exemplo, e rodeou-se de gente como ele para tratar do assunto. Qual é afinal o seu nome, que mudou para reconhecerem o doutoramento? Mudei de nome, sim. Havia uma pessoa no Ministério da Educação que duvidava de que eu fosse eu. No diploma aparecia António Câmara, porque na América corta-se os nomes, e o meu bilhete de identidade dizia António da Nóbrega de Sousa da Câmara. Um amigo disse-me: “Há uma forma de fazer isso, é mudares o nome.” Fui lá com duas testemunhas. Agora tenho uns dez nomes oficiais, pus todas as combinações: António Câmara, António Sousa da Câmara, António Nóbrega da Câmara, são todos válidos. Cheguei ao Ministério da Educação e disse: “Vê? Sou eu.” E finalmente tive o reconhecimento. O mundo académico em Portugal continua a ser assim? Mudou muito, na altura era tudo centralizado no Ministério. Está muito melhor, o país está mais aberto ao exterior. Mas eu vim no início de mudança, em 1984. A razão principal deve-se a Mariano Gago. Ele criou a estrutura de investigação e criou uma massa crítica em Portugal em praticamente todos os domínios. O país internacionalizou-se e adquiriu padrões de qualidade. Isso acaba por se transmitir a todas as gerações, não só dos investigadores mas das pessoas que vão à universidade. Publicou em 2009 o livro O Futuro Inventa-se. O futuro inventa-se? Totalmente. Há vários artigos que dizem que é difícil ter grandes ideias, Mas se tivermos grandes ideias mudamos o mundo de uma forma inesperada. Basta ver o que acontece na ciência em várias áreas e nas empresas. Temos uma configuração empresarial no mundo totalmente distinta de qualquer outra era, com a Apple, o Facebook, a Amazon, o Google a dominarem. O que pode ser bom e mau? Eu acho que é mau. Estou numa iniciativa que pretende tentar combater este domínio avassalador das grandes empresas americanas. Que iniciativa é essa? É uma iniciativa muito curiosa porque representa o que Portugal é hoje. Estão a confluir em Portugal pessoas com um talento extraordinário, como o Tony Fernandes, que desenhou o Netscape Navigator. Trabalhamos com o Taylor Moore que foi o senior digital artist de jogos como o FIFA e o Final Fantasy Set. Um dos fundadores da Ethereum vive em Lisboa. Juntámo-nos todos para criar um browser para a internet of everything, chamado Aria. Basicamente, queremos revolucionar o mundo. Como? Em 2010 e 2011 na YDreams quase fizemos uma fusão com a Ogmento, uma empresa israelo-americana. Falhámos a fusão mas tiveram um reforço de capital e foram comprados pela Apple, são a equipa da Apple para realidade aumentada. A realidade aumentada vai ser a interface da próxima geração. Tivemos o browser da internet desenhado pelo Tony Fernandes, o Netscape, depois tivemos o iPhone, e agora com os óculos de realidade aumentada vai haver uma revolução impensável, talvez a partir do Natal de 2019. Vai ter de me explicar, isso para mim é ficção científica. É muito fácil. Nós temos o mundo real, por um lado, e temos o mundo dos dados. A internet desenvolveu-se toda no mundo dos dados. Aquilo que vai permitir a ponte entre o mundo real e o mundo dos dados é esta camada que vai ser visível através de óculos – hoje é através dos telemóveis – e nos vai permitir indexar o mundo. Se eu quiser comprar uma prancha de surf vou ao Google e os resultados são desastrosos. Vai dar-me várias lojas, eu vou ter de construir um processo para descobrir onde está a prancha de surf ótima. Se eu indexar o mundo, que é o que estamos a fazer, vai ser possível encontrá-la rapidamente. Outro exemplo: antigamente era fácil saber as farmácias abertas ao domingo. Hoje é muito difícil, porque estamos dominados por search engines globais, não suficientemente locais, e muita dessa informação deixou de ter valor. Os jornais, que a tinham, assumem que alguém tem. Ninguém tem. A realidade aumentada, ajudada pela inteligência artificial, vai permitir-nos ter este mundo real inteligente. Eu chego a casa e sei exatamente onde estão as minhas coisas. Mas sabe isso por natureza, sabe onde as pôs, sabe a sua arrumação. Mas muitas coisas têm aquilo a que chamamos tags, esta interface entre o mundo real e o mundo digital, presentes no meu telemóvel e que me permitem várias ações. Uma delas é a partilha de bens. Esta foi a ideia de um jovem dinamarquês [Mathias Grønnebaek, fundador e CEO da Braveno] que vive em Arroios, em Lisboa, e que conhece muito bem o que está a acontecer na rede. Há uma firma alemã, a slock.it, que pretende fazer a partilha universal dos nossos artigos. Imagine que decido partilhar alguns dos meus bens, o meu Black & Decker, o meu carro. Para isso acontecer, é preciso fazer o tagging destes produtos. Estamos a construir esta infraestrutura e vamos conseguir trazer a economia de novo para um nível hiperlocal. Uma das ideias também é ajudar os media locais. No outro dia vi na PC Mag uma entrevista de Dan Costa, luso-americano, a Aaron Shapiro [CEO da Huge]. Ele diz que a economia da atenção está a acabar porque nós desde que acordamos até nos deitarmos temos três mil impulsos publicitários. Como é que se resiste? Defende que vai surgir a economia da eficiência e acha que os media vão ter de sobreviver através dela. E isso significa? Ele fala da criação de clubes verticais. Em cada bairro teremos clubes orientados, muitos deles entroncados nos media locais. É uma mudança completa de paradigma e estamos a criar a infraestrutura para isso. Hoje as receitas da publicidade vão todas para o Facebook e o Google. A ideia é eliminar essa via e redistribuí-la. As pessoas do bairro ficam a saber se eu tenho um Black & Decker? Nós estamos alinhados com a Web 3.0, na qual as pessoas são donas dos dados, não há violação da privacidade. Eles não sabem quem é a pessoa e se pode disponibilizar ou não os bens. Essa é uma das nossas maiores preocupações. Há outras hipóteses de mudar e foi para isso que decidimos estudar os grandes revolucionários. O mais inspirador é Kropotkin [1842-1921], um anarquista russo. Desenhou as comunidades locais com a ideia da partilha, de ajuda mútua. Em Portugal, o que nos fez sobreviver a esta crise e a outras foi a coesão que ainda existe. Começámos a ver como enquadrar muitas dessas inspirações dentro deste sistema. É a evolução natural do seu percurso? Sempre fui professor universitário. Em 1999, via no MIT os meus colegas a criar empresas e a ficar multimilionários. Convidei nove dos meus ex-doutorandos e criámos a YDreams, muito inspirada no MIT Media Lab, ultraexperimental. Os primeiros anos foram a felicidade. Depois fomos atraídos para um processo de investimento. Fizemos um jogo com o Cristiano Ronaldo, e subitamente tínhamos 31 investidores interessados. Em 2009, estávamos à beira do break even, a desenvolver tecnologias, mas tínhamos pessoas a mais e não nos preparámos para a crise. Houve um problema de gestão? Um problema de gestão e um outro: estarmos muito à frente do tempo. Achávamos que o que estávamos a desenvolver em realidade aumentada ia estar no mercado daí a dois ou três anos e o mercado ia explodir. E não ia. Com 18 milhões de euros de dívidas? Eram 16 milhões. Mas falhámos a fusão com a Ogmento e também a venda da Ynvisible a um grande grupo alemão e nisso perdemos 200 milhões. Fizemos um PER incrivelmente doloroso. Mas tínhamos investido no Brasil, e aproveitámos o Campeonato do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos para relançar a empresa. Tivemos a sorte de encontrar alguém que nos apresentou a investidores canadianos que decidiram ajudar-nos. Tudo o que fizemos em realidade aumentada está muito próximo do que o Google e a Apple apresentam, dez anos depois. Tínhamos uma equipa fantástica, reunimos em Portugal uma equipa de talento excecional. O espírito experimental só pode existir numa fase inicial? Tem de existir e hoje sei como geri-lo. Estamos próximos da universidade onde temos oito mil estudantes e 500 professores. Por isso criei uma cadeira agora. A Explora? É uma cadeira física e online, tem pessoas de vários cursos e de vários pontos do país. Transmito-lhes o que aprendi e trago pessoas que agora estão em Portugal, ou que nos visitam, para os examinar, para terem consciência do que valem. O talento é fantástico, algumas ideias são espetaculares. Se há algo de que me orgulho na vida é de pegar nas pessoas e transformá-las no melhor que podem ser, de acordo com as minhas capacidades e possibilidades. Isso é o que tenho feito verdadeiramente bem, sou muito melhor professor do que empresário. Faltou-me sempre o gosto pelo dinheiro. Gosto de surpreender o mundo mas quem tem sucesso é quem vende o mesmo produto banal biliões de vezes e esse não é o meu forte.
“Não reconheciam o doutoramento, porque os americanos puseram no diploma António Câmara. Mudei de nome. Agora tenho uns dez nomes oficiais”
“Tivemos o Netscape, depois o iPhone e agora com os óculos da realidade aumentada vai haver uma revolução impensável, talvez a partir do Natal de 2019”
“Hoje as receitas da publicidade vão todas para o Facebook e o Google. A ideia é eliminar essa via e redistribuí-la”
“Gosto de surpreender o mundo mas quem tem sucesso é quem vende o mesmo produto banal biliões de vezes e esse não é o meu forte”