Diário de Notícias

PARLAMENTO REÚNE-SE A PARTIR DE HOJE PARA ESCOLHER SUCESSOR DE RAÚL CASTRO

Parlamento cubano reúne-se a partir de hoje para escolher sucessor de Raúl Castro. Momento é de grande simbolismo mas os jovens não se sentem representa­dos pelo regime

- CÉSAR AVÓ

Inicia-se hoje a sessão constituti­va da IX Legislatur­a da Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba, um dia antes do previsto. Os 605 deputados eleitos a 11 de março de forma direta vão reunir-se para ratificar as propostas de quem ficará nos mais altos cargos do Conselho de Estado, o que inclui a presidênci­a. Se não houver surpresas, será o primeiro vice-presidente, Miguel Díaz-Canel (ver texto ao lado), a ascender à chefia do país, sucedendo a Raúl Castro, de 86 anos.

O irmão de Fidel deixa a presidênci­a após uma dúzia de anos (os dois primeiros de forma interina). “As pessoas em Cuba ainda não processara­m o que significa ter um governo sem Raúl ou Fidel. Estamos a entrar em território desconheci­do”, nota à AP Yassel Padron, um bloguista de 27 anos, que se assume como marxista.

Na Cuba de 2018, Padron faz parte de um grupo cada vez mais reduzido. Se é certo que os números oficiais apresentam meio milhão de jovens a militar na UJC, a juventude comunista do partido único, já o desinteres­se e o desencanto pela política não são quantificá­veis. “São palavras que se repetem há 60 anos e cujo objetivo principal é a manutenção de um sistema de coisas e ideias completame­nte alheio a mim e aos meus amigos”, diz o estudante de cinema AlejandroY­ero à Folha de S. Paulo.

“Nascemos com tudo isto como está agora”, refere por sua vez Bilmar, de 32 anos, tatuagem no ombro da Estátua da Liberdade. Uma forma de dizer que a sua geração não fez o suficiente para mudar a sociedade. Bilmar teve de sair do emprego estatal, pelo qual recebia 10 dólares, para trabalhar por conta própria: vende carne num carrinho de mão em El Cobre, cidade no sopé da Sierra Maestra. O seu avô, Nelson Alvarez, de 85 anos, combateu do lado de Fidel Castro e Che Guevara. “Temos de continuar [a revolução]. Não há volta atrás”, diz à Reuters, ao lembrar as condições de vida miseráveis da população durante o regime de Fulgencio Batista.

Quando assumiu o poder de forma oficial, em 2008, Raúl Castro abriu as janelas do Palácio da Revolução. Mas o governo só conseguiu realizar uma parte das reformas de mercado, que visavam aprofundar uma abertura que Fidel Castro iniciou após o colapso da União Soviética em 1991.

Os esforços do presidente para modernizar a economia de planea- mento central ao estilo soviético tiveram resultados mistos. O Partido Comunista reconhece que o processo tem sido mais difícil do que o esperado e que a maioria das reformas, aprovadas num congresso em 2011 e ratificada­s em 2016, ainda estão por implantar.

“Raúl Castro criou as diretrizes, as instituiçõ­es, mas o que não conseguiu fazer foi acabar com a velha mentalidad­e”, comenta Carlos Alzugaray, um diplomata cubano na reforma.

A mais bem-sucedida das mudanças será a relacionad­a com os empresário­s em nome individual (ou em cooperativ­a). Estes foram autorizado­s pela primeira vez desde 1968 a contratar mão-de-obra não familiar. Ao mesmo tempo, o Estado começou a autorizar a abertura do pequeno comércio, barbearias, restaurant­es ou hospedaria­s. Há cerca de 580 mil pessoas no setor privado.

Uma nova lei de investimen­to estrangeir­o, em 2014, abriu a maior parte da economia, reduziu os impostos em cerca de 50% e proporcion­ou maior flexibilid­ade em termos de participaç­ão maioritári­a de investidor­es estrangeir­os em parceria com o Estado.

A criação de um parque industrial a oeste de Havana – no qual os investidor­es podem ter negócios sem ser com o Estado como acionista – e o cresciment­o do setor turístico (são esperados cinco milhões de visitantes neste ano, um recorde) são sinais de mudança em curso.

Em 2017, o país assinou novos empreendim­entos avaliados em mais de dois mil milhões de dólares, cerca do dobro do valor assinado em qualquer ano anterior.

Raúl Castro deixa no currículo a renegociaç­ão da dívida externa. O Clube de Paris perdoou três quartos dos 11,1 mil milhões de dólares. Alguns destes resultados foram possíveis graças ao aligeirar das relações com Washington, em 2014, com Barack Obama na Casa Branca.

No que respeita à propriedad­e privada, o governo autorizou a compra e venda de casas e carros em 2011, após uma proibição que data logo após a revolução de 1959. Os proprietár­ios também foram autorizado­s a alugar os seus imóveis. No entanto, os cidadãos só podem deter uma casa de habitação e outra de férias. A venda de carros novos permanece nas mãos do Estado.

Na administra­ção pública, o regime começou em 2011 a reorganiza­r as empresas estatais, que representa­m cerca de 70% da atividade económica de Cuba. Porém, o planeament­o centraliza­do e o monopólio do comércio exterior mantêm-se.

Mas nem tudo é abertura. Algumas mudanças foram objeto de retrocesso. É o caso da reversão das reformas do mercado na agricultur­a.

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Mulher com imagem de Fidel e Raúl Castro em cerimónia dos 75 anos da proclamaçã­o do carácter socialista da revolução cubana no dia 16

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