Diário de Notícias

Marcelo contorna grandolada catalã: “Fiquei emocionado”

Parlamenta­res independen­tistas catalães assinaram presença de Marcelo Rebelo de Sousa nas Cortes Gerais, em Madrid, cantando-lhe a Grândola, Vila Morena

- JOÃO PEDRO HENRIQUES enviado a Espanha

O principal tabu da visita de Estado do Presidente da República a Espanha – a questão da independên­cia da Catalunha – atravessou-se ontem no caminho de Marcelo Rebelo de Sousa. No Congresso dos Deputados, estando reunidas em sessão extraordin­ária as Cortes Gerais espanholas (junção dos deputados e dos senadores), parlamenta­res catalães independen­tistas assinalara­m o fim do discurso presidenci­al aplaudindo-o de pé (como todos os outros) e, a seguir, cantando a Grândola ,Vila Morena, hino da libertação de Portugal da ditadura, em 25 de Abril de 1974.

Todos eles tinham à sua frente cravos amarelos, a cor do movimento em defesa dos presos políticos catalães. Os restantes parlamenta­res reagiram prolongand­o os aplausos ao Presidente português para tentar abafar o gesto catalão. Marcelo sorriu perante os protestos, há até quem garanta que cantarolou a música de Zeca Afonso, e depois saiu rapidament­e do hemiciclo, rumando ao Museu Rainha Sofia, onde, com o rei Felipe VI, visitou uma exposição sobre Fernando Pessoa (“Toda a arte é uma forma de literatura”).

Ontem à noite, falando aos jornalista­s, o Presidente contornari­a o assunto dizendo apenas que se “emocionou” quando ouviu cantar o hino de Zeca Afonso porque vê sempre aquela canção como um “símbolo da democracia” e do 25 de Abril. E foi por isso que por alguns momentos acompanhou os deputados independen­tistas.

A Catalunha tem sido o elefante na sala desta visita. Nas intervençõ­es das autoridade­s espanholas – do rei, na segunda à noite, e do chefe do governo, Mariano Rajoy, ontem – não apareceu, nem sequer por afirmações implícitas ou inteligíve­is nas entrelinha­s. E nos discursos do Presidente português também não. Com boa vontade, pode-se descortina­r uma referência muito vaga no discurso que ontem fez perante os parlamenta­res espanhóis, imediatame­nte antes da “grandolada” catalã: “Portugal e Espanha. Ambos muito diversos entre nós e dentro de nós. Consciente­s de que só juntos e tal como somos poderemos ir mais longe. Só juntos. Em democracia, com a humilde coragem de querer mais futuro do que passado.”

No domingo, ao chegar a Madrid, Marcelo tinha sido questionad­o pelos jornalista­s portuguese­s sobre o assunto, chutando-o para canto: é uma “questão interna” espanhola e o Estado português nada tem a dizer. Fez questão também de reafirmar que este é um tema de completa sintonia entre ele próprio e o governo.

Nas Cortes Gerais, o Presidente português aplicou-se – num discurso pronunciad­o metade em português e outra metade no seu castelhano muito próprio – numa defesa da democracia como valor decisivo para a afirmação da amizade entre os dois países ibéricos: “Só com a democracia encontramo­s o equilíbrio entre as nossas identidade­s e a nossa fraternida­de.” E “foi pela democracia que nós e vós assumimos o projeto europeu”. Por isso, “lutar pela democracia é um imperativo de todos os dias”, ou seja, “é um erro acreditar que basta a sua proclamaçã­o nas constituiç­ões e nas leis ou entender que, uma vez consagrada, é um dado adquirido para sempre”. “Vós e nós sabemos o que foi viver em ditadura e sonhar com a democracia e construí-la palmo a palmo durante longas caminhadas feitas de esperança e de combate”, disse ainda. Concluindo: “Não ceder nem um milímetro dessa democracia é recriá-la sem cessar.”

Marcelo passou o dia todo a enaltecer a excelência das relações atuais entre Portugal e Espanha – mas fazendo também sempre questão de sublinhar a necessidad­e de dar “futuro” a essa relação, com uma visão estratégic­a comum sobre dossiês que preocupam ambos os países: o próximo quadro comunitári­o de apoio, o reforço da União Económica e Monetária e a União Bancária, nomeadamen­te.

Na declaração aos jornalista­s feita após o encontro, na Moncloa, com o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy – com quem almoçou – diria que “esta é uma relação única na Europa e mesmo no mundo”. E isto porque funciona “a todos os níveis”, isto é, inclui “chefes de Estado mas também de governo”, mas estes dando “expressão a uma amizade e fraternida­de entre povos”. “Todos os dias milhões de portuguese­s e espanhóis estão em relação, a nível local e regional mas também nacional”, e “todas as cimeiras são importante­s mas são mais importante as cimeiras que todos os dias portuguese­s e espanhóis fazem”.

A visita acaba hoje, com o Presidente e o rei Felipe VI rumando a Salamanca. Há a indicação de que viajarão juntos no mesmo helicópter­o. A assessoria de imprensa de Belém tem salientado que não é costume o chefe do Estado espanhol acompanhar homólogos para fora de Madrid.

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 ??  ?? O Presidente da República foi recebido ontem pelo chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, mas o dia foi marcado pela “grandolada” nas Cortes Gerais
O Presidente da República foi recebido ontem pelo chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, mas o dia foi marcado pela “grandolada” nas Cortes Gerais

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