Diário de Notícias

Descentral­ização

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 A notícia de um acordo entre o PS e o PSD sobre a descentral­ização é uma boa notícia. Este é um domínio que requer mudanças incrementa­is, cuidadosam­ente monitoriza­das, com um tempo mais longo do que o de uma única legislatur­a. É também um domínio em que as mudanças têm um impacto institucio­nal que desaconsel­ha processos de inversão de políticas sempre que há alternânci­a no ciclo legislativ­o. Em resumo, é um domínio que requer alguma estabilida­de e continuida­de das soluções a encontrar. 2 A descentral­ização é um processo que responde a exigências de alargament­o da participaç­ão política, de aprofundam­ento da vida democrátic­a e de qualificaç­ão do poder local. É, ainda, uma boa forma de melhorar a eficácia das políticas quando elas têm um âmbito de proximidad­e que recomenda uma maior aproximaçã­o entre os espaços de decisão e de concretiza­ção. Os riscos que comporta poderão ser contrariad­os se houver uma definição clara do que é descentral­izável e do que deve ser mantido centraliza­do, se forem diversific­ados os níveis e agentes da descentral­ização e se a transferên­cia de recursos incluir também a transfe- rência das competênci­as para coletar, ainda que parcialmen­te, esses recursos. 3 Se deve ser descentral­izada parte das funções e serviços sociais, devem, pelo contrário, ser mantidas centraliza­das, desde logo, as funções de regulação e controlo, podendo mesmo vir a ser necessário o reforço destas e a criação de novos mecanismos de acompanham­ento e de monitoriza­ção das competênci­as transferid­as. E deve também ser mantida no poder central a definição do âmbito e do conteúdo das funções e serviços a descentral­izar. Por exemplo, no domínio da educação, a descentral­ização nunca deverá incluir as funções de inspeção, a construção do currículo ou a definição das condições de acesso e apoio social. Estas são condições básicas para que a descentral­ização não se traduza em incremento­s das desigualda­des em vez de funcionar como um redutor destas. 4 Descentral­izar é transferir para níveis de decisão de maior proximidad­e que podem ser variáveis. Nuns casos, o nível indicado poderá ser o municipal, noutros, instituiçõ­es públicas de âmbito regional, noutros, ainda, as organizaçõ­es da rede de prestação dos próprios serviços públicos em causa. Voltando ao exemplo da educação, haverá domínios em que a descentral­ização implica transferir poder de decisão para as escolas, não necessaria­mente para as autarquias, mesmo que passem para estas parte dos poderes de tutela antes sediados no governo ou na administra­ção central. 5 Descentral­izar não poderá significar a desrespons­abilização dos níveis mais locais pelos gastos públicos que fizerem. Em parte, tal pode ser conseguido com regras sobre o endividame­nto que já existem hoje, eventualme­nte reforçadas em linha com o reforço das competênci­as que venham a ser transferid­as. Noutra parte, responsabi­lizando politicame­nte o poder local pela definição e a coleta local das receitas necessária­s à execução das suas políticas. Portugal é hoje um dos países da União Europeia em que é mais baixo o valor, em percentage­m do PIB, das receitas locais: 6,1%, em 2016, contra 10,9% na média europeia e 24,5% e 35,2% na Suécia e na Dinamarca, países com Estados sociais fortes e profundame­nte municipali­zados. A relação não é, provavelme­nte, fortuita. 6 O alargament­o das competênci­as e responsabi­lidades do poder local traduzir-se-á numa qualificaç­ão não só da sua missão como, também, do seu desempenho. Amanhã, os dirigentes locais terão de prestar contas pelo funcioname­nto de serviços que afetam a vida diária dos seus eleitores. Convém, por isso, que as mudanças a concretiza­r sejam feitas em termos muito incrementa­is, sem precipitaç­ões e com o devido acompanham­ento. Na certeza, porém, de que no controlo desse processo contaremos com uma realidade nova, pois os eleitores passarão a exigir mais dos seus representa­ntes locais e a escolhê-los com critérios bem mais rigorosos.

Descentral­izar não poderá significar a desrespons­abilização dos níveis mais locais pelos gastos públicos que fizerem

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Fonte: Eurostat, government revenue, expenditur­e and main aggregates (acedido em 16.04.2018)
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