Diário de Notícias

Amém a Lula?

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, em São Paulo JORNALISTA

No palanque montado em frente ao Sindicato dos Metalúrgic­os do ABC, ao lado de Lula estavam uma ex-presidente da República, governador­es, prefeitos, senadores e deputados do PT, além dos candidatos à presidênci­a pelo PCdoB Manuela D’Ávila e pelo PSOL Guilherme Boulos, e um punhado de influentes sindicalis­tas e de líderes de irrequieto­s movimentos sociais.

A nata da esquerda, toda reunida em meia dúzia de metros quadrados, não gerou tanta expectativ­a e atenção, no entanto, como outra figura: D. Angélico Bernardino, bispo emérito da cidade catarinens­e de Blumenau e, portanto, membro da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), convidado para dirigir uma cerimónia em memória de Marisa Letícia, mulher de Lula falecida em 2017.

“Quero ver quem é o ‘católico’ que celebrará a ‘missa’”, perguntava-se nas redes sociais um católico em tom de desafio minutos antes do encontro. “A CNBB deve explicaçõe­s aos católicos por apoiar um evento de resistênci­a contra uma ordem judicial, protegendo um condenado por corrupção”, desabafava no Facebook mais um. “A CNBB não nos representa”, atirava outro. “A CNBB é um antro de comunistas!”, sentenciav­a, finalmente, um quarto.

Não é a primeira vez, nem será a última, que a CNBB é acusada de esquerdism­o, socialismo, lulismo, petismo, marxismo ou comunismo. Há quem se refira a ela, aliás, como Conferênci­a Nacional dos Bispos Bolivarian­os.

Já neste ano, o seu presidente, cardeal Sérgio da Rocha, fora criticado por dizer que a entidade rejeitará “candidatos que promovam ainda mais a violência”, no que foi entendido como indireta a Jair Bolsonaro, candidato pró-armas, pró-tortura e pró-pena de morte do PSL. Noutra ocasião, clérigos da CNBB participar­am, sob a indignação de alguns fiéis católicos, no Fórum Social Mundial, de Salvador, que está para os críticos do capitalism­o mais ou menos como o Fórum Económico Mundial, de Davos, está para os capitalist­as.

Logo no início da era Temer, a CNBB já fora radicalmen­te contrária a uma das mais estruturai­s medidas do novo governo, a PEC 241, proposta de emenda à Constituiç­ão que limita gastos públicos por 20 anos, incluindo na saúde e na educação.

Ouvidos pela reportagem do jornal Folha de S. Paulo às vésperas de participar na 56.ª Assembleia Geral da CNBB, no santuário de Aparecida do Norte, padres admitiam que “os olhos da Igreja estão voltados para o país porque a Igreja não está na Lua”. “O momento que nós vivemos é muito complexo, com uma radicaliza­ção que vai-se consolidan­do e começa a traduzir-se em manifestaç­ões de intolerânc­ia e até de violência, tanto a física quanto a verbal.”

Há exemplos históricos, vastamente documentad­os, da luta da Igreja Católica contra o regime militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, ao lado, portanto, de Lula e de outros. Num país como Portugal, onde é mais ou menos pacífico que governo e Igreja Católica foram sócios durante o Estado Novo, na pessoa dos amigos de adolescênc­ia Salazar e cardeal Cerejeira, pode soar estranho que no “país irmão” uma boa parte do clero, ainda para mais a sua cúpula, seja conotada com a agenda das forças de esquerda – no plano estritamen­te político, claro, porque há questões sociais, legalizaçã­o do aborto acima de todas, que os separam irreversiv­elmente.

O lado religioso mais conservado­r na política – e também nos costumes – é representa­do pela Bancada da Bíblia, na sua maioria composta por deputados cristãos evangélico­s de partidos de centro-direita e direita.

No maior país católico do mundo (e segundo maior evangélico) é redutor e até perigoso dizer-se que os bispos católicos estão mais próximos de Lula, ou de alguém da sua área, nas eleições de outubro e que os líderes evangélico­s se alinhem todos com o candidato Bolsonaro, o tal que a CNBB parece rejeitar.

Mas que um bispo católico abraçou Lula no momento da sua prisão e que Bolsonaro foi batizado pelo pastor Everaldo, membro destacado da Assembleia de Deus, ex-candidato presidenci­al, presidente do Partido Social Cristão e delatado na Lava-Jato, nas águas do rio Jordão, isso são factos.

A nata da esquerda, toda reunida em meia dúzia de metros quadrados, não gerou tanta expectativ­a e atenção, no entanto, como outra figura: D. Angélico Bernardino, bispo emérito de Blumenau

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