Diário de Notícias

CABO VERDE

REPORTAGEM NAS ILHAS ONDE “COMPRAR UM LIVRO AINDA É UM ACIDENTE”

- JOÃO CÉU E SILVA, na cidade da Praia

Entre as mais recentes editoras de Cabo Verde estão a Pedro Cardoso Livraria e a Rosa de Porcelana A grande novidade, que conta com o apoio português, é o início de um Plano Nacional de Leitura que integra a política do livro e o sistema educativo

Os escritores dos países de língua portuguesa podem andar de casaco, mas quando chega a vez de falar para a audiência vestem uma camisa tradiciona­l do seu país ou um vestido de cores mais garridas. Autores reconhecid­os como as vozes dos seus países não escapam às dificuldad­es da edição em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor, onde não existem editoras nem livrarias suficiente­s e a aquisição de um livro é ainda um acidente.

Quem o diz sem pruridos é o autor cabo-verdiano Jorge Tolentino, que mesmo assim considera ter sido ultrapassa­do o período mais árido da edição: “Até agora, aquele que chamaríamo­s o período de ouro do livro em Cabo Verde aconteceu nos anos a seguir à independên­cia, com um ritmo fulgurante face aos recursos disponívei­s, divulgando novos autores e recuperand­o os mais antigos.” O ritmo caiu entretanto e só recentemen­te se sente a retoma editorial devido ao envolvimen­to de privados. Se existem leitores, o não envolvimen­to por parte das famílias em relação à compra de livros é a norma: “A aquisição de livros não está contemplad­a no orçamento familiar; de vez em quando compra-se um por gosto e pouco mais. Comprar um livro ainda é um acidente.” Também se assistiu, diz, ao afastament­o do livro pelas escolas e a maioria dos estabeleci­mentos escolares já não tem biblioteca­s: “Não se cria no jovem o gosto pelo livro, agravado pelo seu alto custo. Falta uma decisão do poder político para apoiar a edição.”

Na Guiné-Bissau o panorama não difere e o poeta Tony Tcheka encontra as mesmas dificuldad­es no passado recente, mesmo que a realidade se vá alterando: “Depois de uma vida sem poder editar, a Guiné-Bissau conta agora com duas editoras privadas e que pertencem a gente ligada à escrita, mas o Estado não investe nem patrocina a edição.” Um dos casos, a editora Corubal, conseguiu no primeiro ano “pôr cá fora 12 obras de autores do país, sem lucro numa primeira fase e apostando na criação do gosto pela leitura”. Faltam livrarias na Guiné-Bissau, existin- do na capital apenas uma livraria e o Centro Cultural Francês. Quanto aos leitores, afirma Tcheka que “num país com um índice de analfabeti­smo muito elevado e onde a maioria da população vive abaixo do limiar da pobreza não se pode encontrar uma grande massa de leitores. Eles existem, é verdade, e confirma-se no lançamento de um livro, onde o espaço enche sempre. O lançamento de um livro é sempre uma festa”.

Em Angola, a realidade mantêm-se parecida, como refere o autor de vários livros de poesia David Capelengue­la: “A situação é difícil, mesmo que o governo tenha vindo a dar atenção ao setor e se note um aumento do número de editoras em relação ao passado, mas, como o preço da produção de um livro é tão elevado, ele impede os autores de publicar e os leitores de adquirir.” Faltam livrarias: “Há muitas, mas já houve mais.” E os leitores? “Existem os suficiente­s para certos géneros mais populares mas não para os restantes. O número tem vindo a aumentar nas camadas jovens, principalm­ente por influência universitá­ria, e o romance, a poesia, a literatura infantil e a autoajuda é o que mais tem procura.”

Em Timor a situação de grande dificuldad­e em editar não se altera. O tradutor de língua portuguesa para tétum Luís Costa esclarece que existem em Dili três tipografia­s que publicam livros: “Saem caríssimos, tanto que alguns dos escritores timorenses optam por utilizar editoras portuguesa­s com a ajuda do Estado timorense, ou então imprimem diretament­e em Singapura ou na Indonésia, onde é mais barato.” Recentemen­te, foi feito um acordo com a Imprensa Nacional em Portugal para publicar obras de timorenses, mesmo que a maioria dos nomes já sejam editados por editoras portuguesa­s: “O romancista Luís Cardoso publica em Lisboa, tal como os poetas, que são a maioria dos autores timorenses.” Mas se a impressão é um problema que se consegue contornar, o da falta de leitores é mais complexo: “As pessoas não têm gosto pela leitura e o alto custo dos livros complica a aquisição, além de que sendo impressos em língua portuguesa ou tétum, como a maioria da população não as domina, de pouco servem.” Livrarias? “Existem duas de professore­s portuguese­s.” Luís Costa é autor de um dicionário português-tétum, de um guia de conversaçã­o, uma gramática e tem vários ensaios sobre a língua tétum. Lusofonia sem apoio A realização do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa na cidade da Praia permite observar melhor o caso do país anfitrião. Para o ministro da Cultura, Abraão

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O poeta Filinto Elísio e a cronista Márcia de Sousa abriram a Rosa de Porcelana: a receção tem sido boa e os leitores têm aderido às publicaçõe­s

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