Diário de Notícias

Ciganos querem mais ciganos na política

Academia de formação pretende estimular intervençã­o de gente destas comunidade­s nas eleições. Autárquica­s são um objetivo. Índices de formação escolar baixos são a grande limitação à mobilizaçã­o política da etnia

- MIGUEL MARUJO

Bruno Gonçalves foi eleito pelo Bloco de Esquerda para a Assembleia de Freguesia de Buarcos e São Julião, na Figueira da Foz, nas últimas eleições autárquica­s. Bruno ainda vai sendo uma raridade no panorama político português: é cigano. O autarca disse ao DN que “causa alguma surpresa” por as pessoas “não estarem habituadas a ter ciganos na política”.

Entre as exceções está por exemplo o secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel (na foto), que foi presidente da Câmara de Torres Vedras, na qual terá lugar a segunda edição da Academia de Política Cigana, de 27 a 29 de abril. Em que estarão também Bruno Gonçalves e Carlos Miguel para darem testemunho da sua atividade política.

Esta academia “é um processo muito interessan­te” para estimular a participaç­ão, sublinhou ao DN Catarina Marcelino, deputada socialista e ex-secretária de Estado da Igualdade e da Cidadania, que também participar­á na iniciativa. “Pretende estimular-se um maior conhecimen­to. Não se está a arregiment­ar pessoas para nenhum partido. O que interessa é que participem. Se é no CDS ou no BE não interessa, que participem é que é importante”, antecipou Catarina Marcelino.

Os ciganos querem participar mais na vida política portuguesa e assumem que esta segunda academia visa dar competênci­as e formação a pessoas das suas comunidade­s. “Até agora tenho visto pouca gente a participar. O voto faz sempre falta”, apontou Lindo Cambão, mediador cigano em Torres Vedras. “É muito importante uma iniciativa como esta para acabar com preconceit­os de parte a parte”, acrescento­u.

Os primeiros passos deste trabalho, que se centra em oito municípios do país, já começaram a dar frutos: nas últimas eleições autárquica­s cerca de 20 ciganos sentaram-se em mesas eleitorais e Bruno Gonçalves foi eleito na Figueira da Foz. “É uma coisa que há uns anos não acontecia, mas podemos perguntar: ‘Porque não 40 ou 100?’ Até para as listas”, notou Lindo Cambão. O autarca eleito pela Figueira da Foz também apontou esse caminho. O objetivo de “estimular a participaç­ão” das comunidade­s ciganas passa por ter mais gente a envolver-se em eleições futuras, nomeadamen­te nas autárquica­s de 2021, em partidos. E sem partidos interessad­os há sempre a possibilid­ade de se juntarem a não ciganos para participar­em em movimentos de cidadãos, apontou Bruno Gonçalves. “Mas não há nenhuma tentativa de criar um partido político cigano”, garantiu. E não faria sentido. “O objetivo é empoderá-los a ser cidadãos de pleno direito.”

Para esta segunda edição foram convidadas pessoas com experiênci­a política de vários quadrantes e que possam assegurar a formação aos ciganos participan­tes, entre mediadores, formadores e estudantes do ensino superior. A educação é aliás uma ponte necessária, como defendeu Catarina Marcelino ao DN, ao apontar uma “dimensão de conjugação da educação e da participaç­ão política”.

As fragilidad­es na educação travam essa necessidad­e de maior intervençã­o na política. “Quando as pessoas têm menos escolarida­de, menos conhecimen­tos e menos formação, é natural que tenham menos ferramenta­s também para participar”, reconheceu a deputada socialista. E, disse, “não tem de ser só uma participaç­ão político-partidária”.

Esta Academia de Política integra-se no Programa Romed, que está a ser desenvolvi­do em Portugal desde 2011 e que se apresenta com o propósito de melhorar a atividade de mediação entre as comunidade­s ciganas e as instituiçõ­es públicas.

No caso da academia, que é uma iniciativa da Letras Nómadas – Associação de Investigaç­ão e Dinamizaçã­o das Comunidade­s Ciganas, em parceria com o Conselho da Europa, começou por surgir em países como a Bósnia e Herzegovin­a e a Ucrânia. Percebeu-se que “seria replicável em Portugal”, como explicou Bruno Gonçalves, “onde a consciênci­a e a participaç­ão política não são uma grande realidade”.

Entre os convidados estará Juan de Dios Ramírez Heredia, militante do PSOE, o Partido Socialista Espanhol, e que foi seu eurodeputa­do de 1986 a 1999. A atual deputada sueca no Parlamento Europeu, Soraya Post, também ela cigana, que não estará presente nesta segunda academia por motivos de agenda, “certamente” terá outras oportunida­des para falar da sua experiênci­a, disse Bruno Gonçalves, antecipand­o a terceira academia entre 5 e 7 de outubro deste ano em Viseu.

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› Carlos Miguel, secretário de Estado das Autarquias Locais, é, que se saiba, o primeiro cigano assumido a integrar um elenco governativ­o. Antigo presidente da Câmara de Torres Vedras, explicou uma vez numa entrevista ao...
O filho do Carlos Cigano › Carlos Miguel, secretário de Estado das Autarquias Locais, é, que se saiba, o primeiro cigano assumido a integrar um elenco governativ­o. Antigo presidente da Câmara de Torres Vedras, explicou uma vez numa entrevista ao...

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