Macron e Trump entre o Irão que os divide e a Síria que os une
Presidente dos EUA recebe homólogo francês na primeira visita de Estado da sua administração. E será um real teste à relação já definida como especial entre os dois políticos
O presidente francês inicia hoje uma visita de três dias a Washington, a que se seguirá na sexta-feira a da chanceler Angela Merkel. A sucessão de visitas mostra a importância do momento nas relações entre a Europa e os Estados Unidos. Uma conjuntura marcada pela incerteza sobre a posição americana no acordo nuclear com o Irão e também pela aplicação de taxas às exportações europeias de ferro e alumínio europeu para os EUA. Estas foram suspensas até final do mês e os europeus procuram garantias de Donald Trump que não serão de todo aplicadas. Na questão iraniana, o presidente americano estabeleceu 12 de maio como limite para os parceiros europeus encontrarem mecanismos de controlo mais apertados para o acordo que vê como demasiado favorável a Teerão.
O acordo foi assinado em 2015 pelos EUA, China, França, Grã-Bretanha, Rússia mais a Alemanha, garantindo ao Irão o direito de manter um programa nuclear para fins pacíficos sob controlo da Agência Internacional de Energia Atómica em troca do fim das sanções europeias e dos EUA. Mas Trump e alguns setores em Washington consideram que foi deixado espaço livre a Teerão para prosseguir, sob forma camuflada, a vertente bélica do programa nuclear e o desenvolvimento de um programa de mísseis balísticos, além de armar os aliados regionais.
O tom das preocupações europeias nas duas matérias foi expresso no encontro entre o presidente francês e a chanceler alemã na quinta-feira em Berlim, com ambos a referirem a importância de se observarem as regras de comércio internacionais e a sublinharem que os EUA não deviam sair do acordo com o Irão. Mas manifestando interrogações no caso dos mísseis.
A viagem de Macron, a primeira visita de Estado da Administração Trump, será também um teste à relação entre os dois dirigentes, que ambos afirmam ser próxima. E, de facto, na questão da Síria houve total convergência de pontos de vista, com um texto no Le Parisien do final da semana a sublinhar que Macron não necessita de intérprete quando fala com Trump, devido à sua formação anglo-saxónica reforçada pelo tempo no Banco Rotschild, sublinhou ao jornal fonte do Eliseu – uma experiência que aproxima Macron do quadro mental deTrump empresário e de como este se serve da sua prática prévia na política. Segundo a Casa Branca, os dois presidentes já contactaram por telefone 19 vezes (o americano falou 19 vezes com Theresa May; dez com Angela Merkel), além dos encontros que tiveram nas cimeiras da NATO e G20 e na deslocação de Trump a Paris, tudo em 2017.
Uma proximidade que levou a The Atlantic, a 17 de abril, a escrever que, “apesar de estarem diametralmente opostos numa série de questões, os dois conseguiram forjar real amizade no último ano”. The Atlantic citava o porta-voz do antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, Alastair Campbell, quando este disse em janeiro que Macron era o “verdadeiro herdeiro” do antigo governante britânico – no sentido em que Blair surgiu como o grande aliado de GeorgeW. Bush, em particular na invasão do Iraque. No texto refere-se ser “do interesse de Macron em estar próximo dele [o presidente dos EUA] se quer ter capacidade para convencer Trump como a América deve atuar no mundo”. Mas o episódio em que Macron afirmou ter convencido Trump “a permanecer na Síria” para ser desmentido no dia seguinte em comunicado da Casa Branca veio provar que o político francês não deve exagerar a influência sobre personalidade tão imprevisível como o presidente americano. E o nuclear iraniano será a pedra-de-toque à capacidade de Macron em convencer aquele de que há mais vantagens em manter o acordo com o Irão do que a sua denúncia e o regresso de sanções. O Irão, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, garantiu no sábado que, a concretizar-se o último cenário, retomará o enriquecimento de urânio, mas sem avançar para a produção da bomba atómica, como Trump e Israel temem.
A multiplicidade de temas e as diferentes perspetivas de ambos não deixam de colocar algum dilema para Trump e para a proximidade que sente com Macron, evidente desde o convite deste para o desfile do 14 de julho em Paris. O impacto causado no americano foi tal que Trump quer criar tradição semelhante nos EUA, com a primeira parada a realizar-se em novembro. Exemplo da proximidade de Trump foi dado pela Reuters na passada quinta-feira com uma história sucedida naquele mês de 2017. Então, num encontro do embaixador francês em Washington com colaboradores de Trump, um deles entregou-lhe um exemplar do The New York Times com uma nota manuscrita do presidente ao lado de um artigo sobre o relacionamento de Macron e Trump. Nela lia-se “sim, Emmanuel. É verdade, gosto muito de ti.” A visita provará seTrump mantém a sua opinião.