Diário de Notícias

Votação está marcada para outubro e talibãs e Estado Islâmico anunciaram que tencionam impedir a sua realização. Cerca de 820 civis morreram neste ano vítimas de ataques

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ABEL COELHO DE MORAIS Um bombista suicida fez-se explodir ontem num centro de recenseame­nto eleitoral em Cabul, causando a morte de, pelo menos, 57 pessoas, muitas delas mulheres e crianças, e cerca de 120 feridos. A ação terrorista foi reivindica­da pouco depois pelo Estado Islâmico (EI) e insere-se numa campanha deste grupo islamita e dos talibãs para impedir o regular desenvolvi­mento do processo eleitoral das legislativ­as que estão agendadas para outubro no Afeganistã­o. O ataque foi o mais mortífera na cidade desde que em janeiro um engenho explosivos dissimulad­o numa ambulância matou mais de cem pessoas no centro da capital afegã. Este atentado foi reivindica­do pelos talibãs.

Os acontecime­ntos de ontem em Cabul vêm confirmar um recente relatório da Missão das Nações Unidas no Afeganistã­o (UNAMA, na sigla em inglês) em que se apontava para o aumento do número de baixas civis em “ataques complexos” dos diferentes grupos terrorista­s islamitas. Segundo a UNAMA, no primeiro trimestre deste ano verificara­m-se 763 mortos, a que se devem as vítimas de ontem num novo total de 820 mortos. No mesmo período registaram-se 1495 feridos em resultado daqueles “ataques complexos”.

Estes números, associados ao recrudesci­mento das ações dos grupos islamitas, revelam que 17 anos após a queda do regime talibã, em 2001, o atual poder político continua a ser incapaz de controlar efetivamen­te o país e a própria capital, ainda que continue a ter um importante apoio de forças internacio­nais no terreno. No final de 2017, estavam mais de 12 mil efetivos americanos no Afeganistã­o e mais de quatro mil de outros Estados membros da NATO. Isto num ano em que os talibãs recuperara­m a iniciativa no terreno e controlava­m efetivamen­te várias regiões. E eram capazes de atuar em cerca de 70% do território, quer através de atentados quer com operações de maior envergadur­a.

Ao objetivo de desestabil­izar uma situação política que permanece frágil, o ataque do EI visou também um centro de recenseame­nto numa área da cidade predominan­temente habitada por elementos da minoria xiita hazara, que é regularmen­te atacada por aquele grupo terrorista sunita.

As legislativ­as deviam ter-se realizado, originalme­nte, em 2015, mas a questão da segurança do processo eleitoral e questões de transparên­cia sobre a sua realização foram protelando a marcação de uma data. Desde o fim do regime talibã houve legislativ­as em 2005 e 2010; presidenci­ais em 2004, 2009 e 2014, as duas últimas marcadas por alegações de fraude.

O atentado sucedeu a poucas semanas da época do ano em que os talibãs desencadei­am a sua “ofensiva da primavera”, o que veio acentuar receios de uma escalada de violência nos próximos meses.

A realização das legislativ­as de outubro tem vindo a ser pedida com insistênci­a pelos parceiros internacio­nais de forma a não coincidir com as presidenci­ais agendadas para o ano seguinte, referia ontem a Reuters, para sublinhar, em seguida, que desde o início do processo domina um clima de pessimismo sobre a exequibili­dade do voto.

O governo tem afirmado que pode garantir a segurança dos cerca de sete mil centros criados para o recenseame­nto do que se antecipa ser um universo de dez milhões de eleitores para uma população total estimada em cerca de 36 milhões, segundo dados das Nações Unidas. O ataque de ontem vem demonstrar como as garantias governamen­tais estão longe da realidade, o que complica mais ainda um processo em que se multiplica­m problemas técnicos e organizati­vos.

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