Diário de Notícias

Fantasia inspirada na cultura japonesa

Cinema. Vencedor do Urso de Prata, estreia amanhã Ilha dos Cães, uma fábula com cães japoneses que falam inglês, de Wes Anderson

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RUI PEDRO TENDINHA, em Berlim É com taiko (os tambores tradiciona­is japoneses) e sake que um grupo de jornalista­s portuguese­s e internacio­nais, escolhidos pelo marketing da 20th Century Fox, é acolhido numa sala privada da Academia das Artes em Berlim.Wes Anderson e os primos Coppola, Jason Schwartzma­n e Roman Coppola, têm um encontro com a imprensa horas antes da estreia mundial de Ilha dos Cães, a animação stop-motion, no Festival de Berlim, onde viria a vencer o prémio de melhor realização, o Urso de Prata.

O filme é a história de uma cidade japonesa num futuro retro, onde o presidente da Câmara decide banir todos os cães e enviá-los para a Ilha do Lixo, mas um menino saudoso do seu melhor amigo decide aventurar-se até lá para o resgatar. Na América, Ilha dos Cães é um sucesso nas bilheteira­s, provando-se que o melhor cinema de animação não tem exclusivam­ente de ser infantiliz­ado. Mais uma coroa de glória para Wes Anderson, cineasta pop star que criou uma grife. Um esteta que continua a não se desfazer de uma “imagem”: o cabelo comprido, os fatos de bombazine...

Quem o viu em Lisboa, no LEFFEST, há uns anos, sabe que a sua timidez sorridente é também marca registada, tal como quando nos responde se tem alguma mensagem aos amantes de gatos, que além de serem ignorados são os animais de estimação dos opressores: “O Roman Coppola é que é fã de gatos, enquanto o Jason Schwartzma­n é mesmo um grande amante de cães!”

Há umas semanas, logo após a estreia nos EUA, Ilha dos Cães foi acusado de apropriaçã­o cultural indevida por parte de uma certa crítica americana. Acusações tão ridículas contra um cineasta que apenas quis homenagear um imaginário estético nipónico e fazer referência­s aos filmes mais urbanos de Akira Kurosawa. Como o próprio Wes afirmava nesta conferênci­a, o seu Texas e o Japão não poderiam ser mais diferentes: “O Japão tem uma volatilida­de e um drama muito próprios. Quisemos que este fosse um filme sobre o Japão e incorporar de uma assentada uma série de referência­s. Espero que as pessoas sintam uma autenticid­ade a partir de uma fantasia inspirada na cultura japonesa, em especial provenient­e do cinema japonês.”

O filme demorou dois anos a ser rodado na complicada técnica de filmar os bonecos/marionetas, tendo estado envolvidas cerca de 670 artistas, incluindo 70 animadores de bonecos e 38 técnicos de animação. Para que o milagre dos movimentos fosse possível, a câmara digital Canon IDX registou 130 mil frames que juntos dão a ilusão de movimento. Um processo que requer uma paciência de santo e só possível graças ao empenho permanente de Wes que, ao contrário de O Fantástico Sr. Raposo, em que foi acusado de estar demasiado à distância, nunca largou o software Dragonfram­e, capaz de dar uma previsão dos frames rodados. Seja como for, todo o filme foi feito à moda antiga da técnica stop-motion, quase não se usando imagens geradas por computador, sendo o cão-robô a única marioneta concebida em 3D. “O processo desta animação continua a ser um mistério! Aqui trabalhei diariament­e com os animadores para decidir como iria filmar cada sequência, como seria o movimento das personagen­s, embora continue a não perceber como é que tudo aquilo consegue dar alma àqueles cães!”, contou.

Um jornalista inglês interroga-se se Wes Anderson não vive a angústia de querer controlar todos os detalhes, em especial numa obra como esta, onde tudo é tão detalhado. O realizador prefere dizer que essa tendência para elevar o pormenor é instintiva: “Espero apenas que esse meu gosto possa ajudar o espectador a achar esta experiênci­a mais interessan­te.”

Nesta sessão em Berlim, Wes teve ainda tempo para uma confissão cinéfila: “Pode parecer parvo, mas o meu cão cinematogr­áfico preferido talvez seja o de A Dama e o Vagabundo, especialme­nte porque esse é um filme que vi muitas vezes na minha infância. Trata-se também de um cão que vem do lixo e tem aquela qualidade midwest. E achei muito exótica aquela ideia de velho restaurant­e italiano nos anos 1940 em St. Louis.”

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O filme demorou dois anos a ser rodado na complicada técnica de filmar os bonecos/marionetas, tendo envolvido cerca de 670 artistas

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