Exclusão da morada dos avós domina queixas nas matrículas
Confederação de pais tem recebido muitos telefonemas e mensagens de progenitores que temem perder apoio dos familiares
As novas regras das matrículas, que entraram em vigor há duas semanas, estão a motivar muitos telefonemas de progenitores preocupados para os seus representantes nas escolas. E o motivo , conta ao DN Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), tem sido quase sempre o mesmo: a impossibilidade, a partir de agora, de usar a morada dos avós para a seleção da escola dos alunos.
“A principal dúvida e preocupação tem que ver com os pais que se apoiam nos avós para levar os filhos à escola e para os levar para casa no final das aulas”, diz, lembrando que em alguns casos os progenitores são “pessoas que chegam a deslocar-se diariamente de um concelho para o outro, por razões profissionais”, sendo por isso “muito importante” a proximidade entre a escola e a casa dos avós. “Quando as escolas se cingirem à letra da lei , são de esperar situações complicadas”, avisa. “Esperamos que os nossos receios não se confirmem mas, desde que o despacho veio a público temos tido vários contactos, por escrito e por telefone, em que as pessoas nos perguntam: ‘O que vamos fazer?’.”
Em causa está a obrigatoriedade, para efeitos de preferência nas matrículas, de a pessoa cuja morada é indicada pertencer ao mesmo agregado familiar. Ou seja: viver na mesma casa, tendo esse facto de ser comprovado através dos registos nas Finanças.
A única exceção a esta regra são os pais, dispensados desse comprovativo por se “presumir a coabitação”com os filhos, ainda que em situações de divórcio existam normas a seguir relacionadas com o poder parental (ver P&R).
Já os avós podem continuar a ser indicados como encarregados de educação – tal como qualquer outra pessoa – mas a sua morada deixa de ser válida como um fator preferencial no acesso às vagas caso não partilhem a morada dos netos.
“O despacho vem clarificar que a residência dos pais e encarregados de educação é critério prioritário”, defende o Ministério da Educação em resposta ao DN, “evitando, assim, que haja alunos a perder vaga na sua área de residência. Em caso de existência de vaga nas escolas, os alunos podem ser matriculados, desde que cumpridas as restantes prioridades”, lembra.
Resposta às moradas falsas O objetivo da medida foi responder à polémica das chamadas “moradas falsas” – prática em que muitas famílias indicariam como encarregados de educação por delegação pessoas que nada tinham que ver com os alunos, apenas para poderem usar as suas moradas.
No ano passado, um movimento de pais lançou uma petição pública para combater as fraudes nas inscrições das crianças nas escolas. O alvo principal das críticas eram famílias que estavam a inscrever os filhos no prestigiado Agrupamento de Escolas Filipa de Lencastre, em Lisboa (ver caixa).
O Ministério da Educação correspondeu a estas preocupações aprovando, para este ano escolar, um conjunto de medidas visando a “transparência” nos processos de matrícula. No entanto, diz Jorge Ascenção, “ao tentar resolver o problema, poderá ter criado um ainda maior” para famílias cuja conduta dificilmente poderia ser caracterizada como fraudulenta: “Há muitos mais casos de pais que recorriam legitimamente aos avós do que de matrículas falsas, o que não implica que estes últimos não devam ser investigados e punidos.”
As regras não se aplicam a alunos já a frequentar os estabelecimentos. Mas os pais que queiram fazer novas matrículas utilizando as moradas dos avós só o poderão fazer – legalmente – colocando os filhos nos agregados destes. Algo que, considera, “não faz sentido”.
“Os avós são o grande suporte” Rosário Gama, presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!), tem a experiência de ter sido diretora de uma escola pública intensamente disputada pelas famílias – a Secundária Infanta Dona Maria, de Coimbra. Mas a também é avó. E alguém que lidou com muitos avós. Por isso, defende, se é verdade que existem “situações incríveis” de abusos nas matrículas, também “é evidente” que não devem confundir-se as situações.
Quanto aos expedientes, confirma, “havia de facto muitas matrículas falsas e, às vezes, na mesma casa, cinco estudantes, o que não era normal”. A escola, recorda, tentava impedi-las: “Pedíamos faturas de renda, água e luz, só que os pais, podiam arranjar alguém que fosse encarregado de educação e, pelo menos nessa altura, faziam isso.”
Não era difícil detetar as irregularidades: “Quando havia reuniões de conselho de turma, quem ia a essas reuniões eram os pais, não o encarregado de educação. Mas nessa altura não havia nada a fazer, porque o aluno já estava a frequentar a escola. Era horrível para o próprio aluno, porque começava a sua vida escolar com esta falcatrua”, critica. Por tudo isso, considera, é importante que exista legislação que “evite as fraudes”.
No entanto, faz questão de separar a situação dos avós, que considera serem “o grande suporte” das famílias. “A maior parte dos pais trabalham. E são os avós que vão buscar os netos à escola, que os vão levar, que vão dar o almoço aos netos enquanto os pais estão a trabalhar”, defende. “Temos de dar apoio aos nossos netos. Podem ter de passar mais tempo na nossa casa. E por isso tem de haver uma forma de poder comprovar que os avós são de facto o sustentáculo das famílias”, resume, admitindo que “não será fácil” encontrar uma solução que permita distinguir casos.
Ministério defende que o principal objetivo da medida é evitar que alunos percam vagas nas suas áreas de residência
Confap avisa que existem muito mais casos de legítimo apoio dos avós aos estudantes do que de moradas falsas, que devem ser punidos