Diário de Notícias

Só duas gestações escapam ao chumbo do Constituci­onal

Regra do anonimato, excessiva indetermin­ação da lei ou a não admissão da revogação do consentime­nto são normas apontadas como inconstitu­cionais

- MIGUEL MARUJO

O chumbo dos juízes do Tribunal Constituci­onal (TC) a algumas normas da lei das barrigas de aluguer só não atinge os dois contratos já apreciados favoravelm­ente pelo Conselho Nacionalde Procriação Medicament­e Assistida (CNPMA). De fora ficam os sete pedidos conhecidos que ainda aguardavam decisão (ver caixa).

Mais de um ano depois do pedido de fiscalizaç­ão sucessiva, feito por um grupo de deputados do CDS e do PSD, os juízes do Palácio Ratton considerar­am que a própria gestação de substituiç­ão, “só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequênc­ia de tal procedimen­to nem, tão-pouco, o dever do Estado de proteção da infância”.

São cinco as partes declaradas inconstitu­cionais. Os juízes apontam “a excessiva indetermin­ação da lei”, “na parte em que admitem a celebração de negócios de gestação de substituiç­ão a título excecional e mediante autorizaçã­o prévia, por violação do princípio da determinab­ilidade das leis”. Notam que “é indispensá­vel” concretiza­r esses limites na “autonomia das partes do contrato de gestação de substituiç­ão” e nas “restrições admissívei­s dos comportame­ntos da gestante a estipular no mesmo contrato”.

A regra do anonimato de dadores também é chumbada. Segundo os juízes, ao “estabelece­r como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores no caso da procriação heteróloga e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituiç­ão – mas, no caso destas, como regra absoluta – merece censura constituci­onal”.

Apesar de esta norma “não afronta[r] a dignidade da pessoa humana”, os juízes notam que há uma “importânci­a crescente que vem sendo atribuída ao conhecimen­to das próprias origens”, por impor “uma obrigação de sigilo absoluto relativame­nte às pessoas nascidas em consequênc­ia de processo de procriação medicament­e assistida com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituiç­ão”. Daí o chumbo desta norma.

A líder do CDS, Assunção Cristas, saudou o acórdão. E ilustrou com uma das matérias sinalizada­s pelo partido: “Por exemplo, a possibilid­ade de uma criança nascida no decurso de um processo destes poder vir a saber quais eram os seus progenitor­es biológicos”, pelo “grande interesse do ponto de vista do património genético, da prevenção de doenças”, disse, citada pela Lusa.

A inconstitu­cionalidad­e verifica-se ainda “na parte em que não admite a revogação do consentime­nto da gestante de substituiç­ão até à entrega da criança aos beneficiár­ios”, “por violação do seu direito ao desenvolvi­mento da personalid­ade, interpreta­do de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família, em consequênc­ia de uma restrição excessiva dos mesmos”.

A rematar o comunicado publicado ao final da tarde no site do tribunal, os juízes entenderam “limitar os efeitos da sua decisão, de modo a salvaguard­ar as situações em que já tenham sido iniciados os processos terapêutic­os de PMA”, uma vez que “a eliminação das nor- mas declaradas inconstitu­cionais com força obrigatóri­a geral levaria a que todos os contratos já apreciados favoravelm­ente pelo conselho da PMA fossem considerad­os como não autorizado­s, com as legais consequênc­ias, em especial no respeitant­e à legitimida­de dos processos terapêutic­os de PMA (incluindo a recolha de gâmetas e a criação de embriões) e ao estabeleci­mento da filiação de crianças nascidas em consequênc­ia de tais tratamento­s”. Tudo somado, são dois os casos salvaguard­ados pelos juízes.

O acórdão n.º 225/2018 segue alguns argumentos apresentad­os pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quando do seu veto à lei em junho de 2016. Na altura, Marcelo seguia na sua extensão os pareceres muito críticos do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, em pontos como “os termos da revogação do consentime­nto, e as suas consequênc­ias” ou que “não estão salvaguard­ados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante, nem é feito o enquadrame­nto adequado do contrato de gestação”.

Numa primeira reação, o juiz desembarga­dor Eurico Reis, do Conselho Nacional de Procriação Medicament­e Assistida, criticou o chumbo do ponto do anonimato. “Vai deixar de haver dadores, vamos gastar rios de dinheiro a importar gâmetas ou então para a PMA toda, ficando a funcionar apenas para aqueles para quem ainda é possível realizar tratamento­s com material dos próprios”, disse à Lusa.

A gestação da substituiç­ão, “só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida” deste procedimen­to

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Há sete pedidos para gestação de substituiç­ão à espera de serem analisados – serão travados pelo menos por agora

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